O contraditório no aperfeiçoamento da democracia

 

Tendo nascido em 1947, portanto um ano após o início da (re)democratização pós Vargas, era criança demais para gozar esse processo. Quinze anos mais tarde, um pouco mais crescido, quando começava a sentir o delicioso sabor da efervescente democracia brasileira, adveio o golpe militar de 64.

Calei-me no início da ditadura militar, depois ousei posicionar-me contrário e senti  em minha própria carne o peso do arbítrio.

Já amadurecido pelos anos participo desse novo período de (re)democratização iniciado em 1985. Gozo plenamente da liberdade de expressar-me, de ir e vir. Assisto a um espetáculo maravilhoso, não simplesmente como mero espectador, mas como coadjuvante.

Historiador por profissão, se não gozei o período 1946/64, estudei-o, compreendi o processo. Hoje, sinto-me privilegiado por desfrutar da democracia e, ao mesmo tempo poder analisar a conjuntura, avaliar as transformações, refletir sobre os acontecimentos; compreender que as contradições de uma sociedade traçam a sua história.

Ao longo de minha vida sempre me posicionei contrário às políticas de exploração, seja no caso do colonialismo português ou do imperialismo inglês e norte-americano. Ao mesmo tempo defendi a soberania das nações.

Por coerência, eu, que sempre fui contrário à privatização da Vale do Rio Doce, da Petrobrás, e outras empresas nacionais, como poderia, nesse momento, condenar o presidente boliviano Evo Morales e as suas medidas para nacionalizar os recursos naturais de seu país?

Morales, ao menos até o momento, está preocupado com a nacionalização e não na expropriação de empresas estrangeiras: está, portanto, defendendo a soberania boliviana e, por via de conseqüência eu não poderia esperar outra atitude do presidente Lula que não fosse o diálogo. Ou eu deveria ser contra o imperialismo norte-americano e defender o imperialismo brasileiro? Deveria defender uma invasão armada ao país irmão? Deveria defender que o Brasil fizesse o que os Estados Unidos fizeram com o Iraque?

 Em resumo, sobre esse aspecto externo,  o que alguns setores vêem como uma crise, vejo como uma posição absolutamente coerente de um país que foi historicamente expropriado e hoje se preocupa em tirar a grande maioria de seu povo da pobreza em que se encontra.

No âmbito interno vivenciamos várias crises, com as quais estamos aprendendo muito. No caso da crise na agricultura e pecuária, não há precedentes nos últimos 40 ou cinqüenta anos. Gripe aviária, aftosa, comportamento climático adverso, queda do dólar, ausência de seguro e de preços mínimos para os produtos agro-pecuários, endividamento do setor agrícola, empresas multinacionais dominando o mercado e controlando preços, enfim, uma situação insustentável.

Conseqüência da crise, os agricultores protestam, bloqueiam estradas, fecham agencias arrecadadoras e bancos. Enfim, diante de tantos prejuízos e dívidas, reagem.

E agora? Quem sempre, como eu, defendeu as manifestações do MST na sua luta por um pedacinho de terra, poderia posicionar-se contrário ao movimento dos agricultores que clamam por uma política agrícola urgente? Quem sempre defendeu o direito dos índios pelas suas terras, pode ser contrário ao movimento dos agricultores que estão prestes a perder os seus bens? Quem sempre defendeu que o Banco do Brasil não deveria ser privatizado, por entender que é um banco de fomento, pode, nesse momento, defender que esse banco tenha lucros tão vergonhosamente elevados quanto os bancos privados?

Solidarizo-me com os agricultores, e não me venham dizer que eles sejam baderneiros vagabundos e que a polícia deveria reprimir as suas manifestações. As suas ações refletem pura e simplesmente as dificuldades que o setor atravessa no momento.

Quem não concorda, ao menos que respeite, pois são manifestações legítimas de um segmento social. Oxalá esse movimento não fique restrito ao impedimento de ruas, mas provoque na categoria uma reflexão mais profunda sobre o modo de produção capitalista, do qual de alguma forma todos somos vítimas.

Reconheçamos, enfim, que essas situações conflituosas testam definitivamente a nossa (re)democratização.

 

As suas sugestões serão bem vindas pelo sitio: www.biasotto.com.br

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Livros

As Fabulosas Histórias de Bepi Bipolar

Ser convidada para escrever o prefácio deste livro de literatura
foi realmente muito gratificante e a deferência a mim concedida
pelo amigo, historiador e escritor Wilson Valentin Biasotto foi
recebida com surpresa e alegria

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