De volta à Idade Média: entre a gleba e o capital

 

 

Longe de mim qualquer tipo de comparação entre o modo de produção capitalista e o modo de produção feudal. Cada período histórico com as suas características próprias. O que me chama a atenção é a continuidade ininterrupta da exploração do homem pelo homem ao longo de todo o processo histórico, inclusive e marcadamente em nossos dias. Essa exploração é o que justifica o título.

Na Idade Média a produção agrícola assentava-se em um sistema de arrendamentos da terra que fazia do arrendador um senhor e do arrendatário um servo. O servo medieval diferia do escravo da antiguidade e da Idade Moderna, ele não podia ser vendido, na verdade ele era fixo à terra, à gleba, e daí não podia sair. Não obstante essa distinção, o servo da gleba, principalmente os de mais baixo nível, tinha uma vida paupérrima. Do que produziam com pouco ficavam. Os direitos dos senhores eram escorchantes. Se as safras fossem cheias era possível alimentar a prole com um pouco de vinho e pão preto. Se o comportamento climático não favorecesse era a fome.

Claro que temos acima uma generalização do problema, havia servos não tão miseráveis e nem todos os homens pobres eram necessariamente servos, homens livres, na Idade Média, conviviam com as dificuldades daquele tempo.

Quinhentos anos após o fim do período medieval o que é que temos no que diz respeito à produção agrícola?

A liberdade, dirão uns, Educação, dirão outros. A faculdade de vender ou comprar a nossa propriedade agrícola. Claro, claro que os tempos mudaram. Estou apenas insistindo na exploração do homem pelo homem. Nesse sentido as coisas até pioraram um tanto na medida em que a exploração se faz de modo muito mais dissimulado. Na verdade ao invés de um senhor, temos vários, mas que, no final, se rendem todos ao deus “capital”.

Tomemos por exemplo os produtores que trabalham em sistemas,  que convencionou-se chamar de integrado, seja para a produção de leite, frango, porcos, peixes.

O “senhor feudal” da atualidade fornece tudo o que o produtor necessita. Desde que seja integrado a um sistema, têm o crédito para construir galpões, pocilgas, tanques, o que for preciso, com financiamento bancário. Pronta a infra-estrutura, o “produtor” recebe os filhotes, a ração e o próprio caminhão da firma vai à sua porta buscar o produto pronto.

Na hora da entrega o “produtor” fica sabendo quanto vale a sua ave, o seu porco, o seu peixe, o seu leite. Então, se a dedicação nos cuidados com a criação foi integral, se tudo correu bem, se não houve nenhum acidente, o produtor consegue pagar as contas e ainda tirar um ou dois salários mínimo para a sua subsistência.

Havendo algum infortúnio, a culpa recai única e exclusivamente sobre o produtor, que vai acumulando dívidas sempre à espera de melhoras.

Com produtores de soja, milho, cana, ou outras monoculturas, não se passa de forma diferente. Muda apenas o senhor que passa a ser a loja de implementos e insumos agrícolas. Em última instância o banco.

No final das contas, como na Idade Média, existe hoje uma relação de laços de dependência. Na Idade Média a dependência era de homem para homem, hoje é de homem para instituição. Às vezes a revendedora, outras a firma que recebe os produtos, outras vezes ainda o banco. Na Idade Média, no topo da hierarquia encontrava-se o rei. Atualmente no topo estão firmas multinacionais. Ao rei podia-se ao menos pedir clemência, ele tinha um trono, onde podia ser encontrado, tinha uma cara que podia ser vista, tinha coração.

Hoje, domina a frieza dos números. A rigidez do limite de crédito. A impossibilidade da clemência.   O deus capital é o mais exigente dentre todos os deuses. Não basta que lhe consagremos um dia da semana. Temos que nos curvar aos seus dogmas todos os dias, todas as horas. Mesmo assim é o capitalismo é o mais inclemente dos deuses.

 

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