O PT no olho do furação

 

Minha família nuclear é composta por cinco membros, o casal e três filhos. Todos somos filiados ao Partido dos Trabalhadores e passamos, cada qual às vésperas da filiação, por um “dia de formação”, no qual aprendemos os princípios fundamentais do partido. Essa opção partidária, aliada às atividades públicas que desenvolvi nos últimos anos, faz de nosso lar um ambiente propício às conversações sobre temas políticos. Não obstante esse clima democrático, fui interpelado via e-mail por minha filha mais nova, que está fora, sobre a minha opinião a respeito das denúncias que pesam sobre o Partido dos Trabalhadores.                        

E eu, que em recente escrito disse que o cronista diletante de certa forma era privilegiado por escolher o tema que melhor lhe aprouvesse, vejo-me na contingência de escrever sobre esse estado de crise que se abate sobre o nosso partido, embora ainda condoído e em estado de perplexidade.

Congratulo-me com minha filha ausente por dirigir-me a pergunta, mas a minha resposta, que de certa forma resume um consenso da família que pôde dialogar sobre o assunto, não é somente para ela, mas a todos aqueles que de uma forma ou outra têm acompanhado a nossa trajetória e postura política.

O Partido dos Trabalhadores, fundado em 1980 por operários e intelectuais, com a liderança de Luís Inácio Lula da Silva, foi um acontecimento novo, talvez ímpar no cenário político brasileiro e quiçá mundial. Alicerçado em princípios sólidos, pregando o socialismo democrático, a ética e a transparência na política, conquistou simpatias, cresceu com o novo sindicalismo brasileiro pós golpe de 64 e com os emergentes movimentos sociais. Passo a passo foi conquistando espaços políticos, ora nas Câmaras Municipais, ora em uma ou outra prefeitura e, crescendo sempre, elegeu deputados, senadores, governadores e o próprio presidente da República.

Foi uma construção árdua, sofrida, muitas vezes incompreendida. Personalidades de elevada estatura ética e intelectual, trabalhadores que sonhavam com uma sociedade mais justa, mais fraterna e mais igualitária eram ignorados pelos menos favorecidos e tripudiados por aqueles que mesmo tendo uma formação educacional mais elaborada e com meios de subsistência mais  generosos, não perseguiam a mesma utopia.

Do sofrimento e do escárnio que sofríamos passamos a governantes. Muitos de nós batíamos no peito e de boca cheia exaltávamos o PT ético, transparente, capaz de realizar as transformações que, ao menos minimizassem a opressão aos mais frágeis. Outros, embora respeitando os princípios basilares do partido, amenizaram o discurso revolucionário, no sentido de discurso transformador, para um discurso de reformas progressivas.

Não creio que tenha havido nesse sentido um lado que tivesse acertado e outro errado. Agimos todos de boa fé. Talvez os que proclamamos a pureza petista tenhamos exagerado em nosso discurso e atraído a ira de nossos adversários, mas a ética, a seriedade no trato da coisa pública eram crenças sinceras, era o que acreditávamos que realmente nos distinguia, era o motivo de nossa altivez, mas que talvez tenha atingindo os limites da soberba. Por sua vez, os que suavizaram o discurso, talvez tenham acreditado que seria impossível para o PT chegar à presidência da República com o discurso um tanto mais radical como o de 1989, talvez tenham apostado que as transformações tão sonhadas ocorreriam em ritmo gradual, porém contínuo.

A história dirá que o PT governou bem esse país, esse estado, esse município, pelo menos até o dia de hoje. E o que afirmamos está isento de qualquer vaidade ou soberba. Mas governamos divididos em tendências, justamente porque passamos a divergir na maneira de pensar e operacionalizar as mudanças sócio-econômicas que pretendíamos implementar. Enfraquecemo-nos com isso e descuidamo-nos do controle ético uma vez que qualquer dúvida levantada dentro do partido seria interpretada como uma ação revanchista por questão ideológica, não pela exigência de uma ação depurativa. O Conselho de Ética do partido há muito deixou de ser acionado.

Por outro lado, externamente, os governantes petistas e o Partido dos Trabalhadores sofreram uma oposição implacável, embora paradoxalmente o estigma de oposição dura e combativa fique como troféu petista. A direita carcomida pelos vícios de 5oo anos de poder tentou de todas as formas possíveis e imagináveis (des)construir as imagens de Lula e do Partido dos Trabalhadores.

O PT, enquanto foi oposição, não combatia apenas os adversários políticos, debatia-se com a superestrutura vigente, incluindo como tal um corpo de leis elaborado pelas elites e para as elites e uma mídia impregnada secularmente pelo modo de pensar capitalista. Por via de conseqüência pouca ressonância se obtinha. Ao contrário, a direita opositora de hoje encontra um caminho fácil para toda e qualquer tentativa de (des)construção do governo e do PT.

Enfim, depois de variadas tentativas para a desqualificação do governo, resolveu desqualificar o PT.

Teria encontrado o caminho?

Ainda não sei ou reluto em admitir, mas convenhamos, as acusações são muito fortes. Todos sabemos que a inexistência de um fundo público para campanhas favorece a constituição de fundos oriundos de doações, ao que parece, nem sempre declaradas. Temos também fortes indícios de que os “mensalões”  constituem-se em realidades antigas, haja vista o exemplo de Rondônia.

Nada disso, no entanto, justifica que membros do PT ajam de acordo com os costumes corruptos existentes no Brasil. O PT foi criado para provocar mudanças, para moralizar o trato da coisa pública, logo, o nosso desejo é que os fatos sejam apurados rapidamente e os responsáveis por algum desvio de conduta, se houver, sejam expurgados e punidos.

Confesso publicamente que ficarei deverás chocado se pessoas com histórias de vida tão paradigmáticas com Genoíno, Dirceu e outros companheiros, causarem-me a decepção de serem culpados, mas, sinto muito, o PT não poderá pagar por eles, se for o caso.

Disse no início que o PT foi um acontecimento novo na história política do país, um acontecimento importante à medida que representou, e representa ainda, os anseios das camadas populares, portanto, cometem equívoco irreparável  aqueles que desejam destruir o PT ao invés de focarem suas energias moralizantes em eventuais suspeitos.

Não consigo avaliar ainda com muita clareza qual o tamanho do dano causado ao PT, no entanto penso que nenhum petista histórico deva deixar o partido nessa hora. Devemos sim, augurar ao presidente Tarso Genro e a nova diretoria petista que seja feliz nessa difícil tarefa de restituir a todos os militantes petistas a nossa dignidade, não que tenha sido perdida, mas que está em jogo.

A reprodução do texto é permitida desde que citada a fonte.

Voltar

Livros

As Fabulosas Histórias de Bepi Bipolar

Ser convidada para escrever o prefácio deste livro de literatura
foi realmente muito gratificante e a deferência a mim concedida
pelo amigo, historiador e escritor Wilson Valentin Biasotto foi
recebida com surpresa e alegria

Abrir arquivo

2010: O ANO QUE NÃO ACABOU PARA DOURADOS

A obra ora apresentada é uma coletânea de crônicas publicadas em diversos meios de comunicação no ano de 2010. Falam, sempre com elegância e fluidez, de nossas vidas, de acontecimentos e de possíveis eventos em nosso país, especialmente em nosso município.

Abrir arquivo

MEDIEVO PORTUGUES: O REI COMO FONTE DE JUSTIÇA NAS CRÔNICAS DE FERNÃO LOPES

Nossa preocupação, nesse trabalho, foi a de estudar o comportamento dos reis, no que concerne à aplicação da Justiça, baseados nas crônicas de Fernão Lopes.

Abrir arquivo

Crônicas: Educação, Cultura e Sociedade

O livro ora apresentado é um apanhado de 104 crônicas, algumas de 1978 e a maioria escrita a partir de 1995 até a presente data. O tema Educação compõe-se de 56 crônicas, outras 16 são relatos descrevendo fábulas ou estórias oriundas da cultura italiana, e os emas Cultura e Sociedade compreendem, cada um, 16 crônicas.

Abrir arquivo

Crônicas: globalização, neoliberalismo e política

Esta obra foi editada em 2011 pela Editora da UFGD e reune 99 crônicas escritas principalmente nos últimos quinze anos, versando sobre a globalização, o neoliberalismo e política

Abrir arquivo

[2009] EDIFICANDO A NOSSA CIDADE EDUCADORA

Esse trabalho tem três objetivos principais, cada qual contemplado em uma das três partes do livro, como se verá adiante. O primeiro é oferecer ao leitor algumas reflexões sobre temas que ocupam o nosso dia-a-dia; o segundo é divulgar os vinte princípios das Cidades Educadoras e, finalmente o terceiro, é tornar público o projeto que nos orienta na transformação de Dourados em uma Cidade Educadora e mostrar os primeiros passos para a operacionalização desse projeto.

Abrir arquivo

[1998] Até aqui o Laquicho vai bem: os causos de Liberato Leite de Farias

Ao refletir sobre a importância do contador de causos/narrador para a preservação da cultura, percebe-se que cada vez menos pessoas sabem como contar/narrar, com a devida competência, as experiências do cotidiano. Por quê? Para Walter Benjamin, as ações motivadoras das experiências humanas são as mais baixas e aterradoras possíveis em tempos de barbárie; as nossas experiências acabam parecendo pequenas ou insignificantes diante da miséria e da fragmentação humana, numa constatação que extrapola os espaços nacionais.

Abrir arquivo

[1991] O MOVIMENTO REIVINDICATÓRIO DO MAGISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL: 1978 - 1988

Momentos de grandes mobilizações têm teito do professorado de Mato do Sul a vanguarda do movimento sindicalista deste Estado. Este fato motivou a realização deste trabalho, que teve como proposta inicial analisar criticamente o movimento reivindicatóno do magistério de Mato Grosso do Sul, na perspectiva de revelar-lhe, tanto quanto possível, o perlil de luta, ao longo de sua palpitante trajetória em busca de melhorias salariais, estabilidade empregatícia e melhoria da qualidade do ensino.

Abrir arquivo

Contato

Informações de Contato

biasotto@biasotto.com.br