Zé sem fé

 

 Wilson Valentim Biasotto*

          3.06.99

 

A conversa que eu mantinha com dois trabalhadores rurais já ia morrendo quando ouvi o canto da seriema (do Mato Grosso, do Norte e do Sul). Foi uma boa oportunidade para poder reanimar a nossa prosa. Logo vem chuva, disse-lhes eu.

-      Não leva três dias, respondeu-me o retireiro no estalo.

-      Bom que venha logo, arrematou o que cuida da roça, o milho está de dar dó. Se não chover logo, vai se perder muita roça por aí.

Roça perdida é desgraça certa. Não tem quem acuda. Se fosse banco ou estatal privatizada não faltaria socorro, pois para isso existe um governo generoso. Mas, pensando bem, não há porque ter dó. Esses agricultores e pecuaristas, principalmente os de gado leiteiro, que dá mais trabalho,  são uns teimosos. Por que não abandonam essas coisas primitivas de puxar teta de vaca e plantar sem tecnologia avançada.

Oras, bolas, não se mostrou ser bem mais prático, por exemplo, importarmos trigo da Argentina? Importemos milho dos Estados Unidos, que têm pivôs de irrigação tão modernos que não causam decepções. Leite, importemos da Europa, e esses teimosos, que abandonem a roça, venham para a cidade. Não percebem que as luzes os atrai?

Se alguns porventura restarem, se insistirem em ficar enfiados no mato, a esses vou ensinar um versinho:

Ah! São João/São João do carneirinho/O senhor é tão bonzinho/Peça lá pra São José/Peça pro meu milho dá/ Vinte espiga em cada pé.

Não duvido que esse versinho seja bem antigo. Meu pai dizia-me que era parte de uma música de Luiz Gonzaga. Minha mãe não endossa, poderá até ser um verso do rei do baião, mas ela não se lembra.

Sem duvidar de meu velho pai, acho que o verso acima está mais para oração. Na época de crise é assim mesmo, as pessoas se apegam muito às coisas religiosas e esperam verdadeiros milagres, como por exemplo, um pé de milho, que ao longo de milênios  sempre deu uma ou duas espigas, ter que dar vinte.

De minha parte não duvido. Os tempos, parece-me, são outros nesse velho e querido Mato Grosso (do Sul). Se tem gente criticando as contratações que o governo do estado fez para a Educação e exigindo que Zeca do PT, em cinco meses de governo, pague as dívidas deixadas, arrume as estradas e reinicie as obras inacabadas, por que um pé de milho não pode dar vinte espigas?

 

 *O autor é doutor em História Social

pela USP e diretor do CEUD/UFMS

 

  

 

 

A reprodução do texto é permitida desde que citada a fonte.

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