A vó e a catarata

 

Wilson Valentim Biasotto *

 

Ao sentar-me para iniciar esta crônica, que tem por protagonista a nossa querida Vó Eva, dei conta de que nunca ouvi ninguém mencionar o seu sobrenome. Sabemos o sobrenome do falecido marido, mas o dela, duvido que os próprios netos o saibam. Pouco importa, isso não diminui o carinho que todos nutrimos por ela.

Vó Eva imigrou para o Brasil muito nova, mas já casada. Deixou tudo e todos para nunca mais. Converso algumas vezes com ela sobre o passado, mas deixo que fale à vontade. Jamais pergunto-lhe de sua vida de além-mar porque imagino que seja muito dolorosa a sua saudade.

No Brasil estabeleceu-se primeiro em São Paulo e, somente mais tarde, por volta de 62, é que veio para Dourados. Sofreu tudo que um imigrante possa sofrer: desconhecimento da língua portuguesa, preconceitos, trabalhos pesados. E assim foi vivendo, adaptando-se, criando sua família.

Neste mês, ao completar 89 anos, um balanço da vida de Vó Eva revela muita saúde, filhos, netos, bisnetos, uma tataraneta, nenhum plano de saúde, nenhuma garantia previdenciaria e a história recente de uma operação de catarata que é o que passo a lhes contar.

Talvez por lhe faltar dinheiro, quiçá porque esperasse a morte chegar Vó Eva não empenhou-se em cuidar da visão. Somente quando não enxergava absolutamente nada, quando não dava mais para tricotar uns pontos e locomover-se pela casa é que bateu-lhe o desespero.

Vó Eva foi operada, não as custas do Estado, que não lhe reconheceu os longos anos de serviço prestados à Pátria, mas graças o espírito humanitário de dois oftalmologistas amigos. Estava presente quando a venda do olho foi tirada. Foi uma das coisas mais bonitas que vi em minha vida. Seriam necessárias muitas páginas para descrever a emoção de quem recupera a visão. O semblante se transforma, a alegria toma conta. Suas primeiras palavras foram balbuciadas como que saindo da boca de uma criança: “como é claro!”.

Que pena que os dois oftalmologistas amigos precisem ganhar para a sobrevivência e, por via de conseqüência, não possam operar todos os velhos brasileiros que sofrem com esse problema. Bem, fazer o que? Já que não podem, vou ficar torcendo para que o governo brasileiro deixe de pensar na reforma da previdência e recupere ao menos uma parte dos bilhões que nos foram roubados e os destine para a saúde.

Só com os 6,5 bilhões, que segundo se calcula, foram “lavados” no Paraguai, neste recente escândalo dos precatórios, daria para operar catarata de aproximadamente 10 milhões de brasileiros. 

O autor é doutor em História Social pela

USP   e    diretor  do   CEUD/UFMS

 

A reprodução do texto é permitida desde que citada a fonte.

Voltar

Livros

As Fabulosas Histórias de Bepi Bipolar

Ser convidada para escrever o prefácio deste livro de literatura
foi realmente muito gratificante e a deferência a mim concedida
pelo amigo, historiador e escritor Wilson Valentin Biasotto foi
recebida com surpresa e alegria

Abrir arquivo

2010: O ANO QUE NÃO ACABOU PARA DOURADOS

A obra ora apresentada é uma coletânea de crônicas publicadas em diversos meios de comunicação no ano de 2010. Falam, sempre com elegância e fluidez, de nossas vidas, de acontecimentos e de possíveis eventos em nosso país, especialmente em nosso município.

Abrir arquivo

MEDIEVO PORTUGUES: O REI COMO FONTE DE JUSTIÇA NAS CRÔNICAS DE FERNÃO LOPES

Nossa preocupação, nesse trabalho, foi a de estudar o comportamento dos reis, no que concerne à aplicação da Justiça, baseados nas crônicas de Fernão Lopes.

Abrir arquivo

Crônicas: Educação, Cultura e Sociedade

O livro ora apresentado é um apanhado de 104 crônicas, algumas de 1978 e a maioria escrita a partir de 1995 até a presente data. O tema Educação compõe-se de 56 crônicas, outras 16 são relatos descrevendo fábulas ou estórias oriundas da cultura italiana, e os emas Cultura e Sociedade compreendem, cada um, 16 crônicas.

Abrir arquivo

Crônicas: globalização, neoliberalismo e política

Esta obra foi editada em 2011 pela Editora da UFGD e reune 99 crônicas escritas principalmente nos últimos quinze anos, versando sobre a globalização, o neoliberalismo e política

Abrir arquivo

[2009] EDIFICANDO A NOSSA CIDADE EDUCADORA

Esse trabalho tem três objetivos principais, cada qual contemplado em uma das três partes do livro, como se verá adiante. O primeiro é oferecer ao leitor algumas reflexões sobre temas que ocupam o nosso dia-a-dia; o segundo é divulgar os vinte princípios das Cidades Educadoras e, finalmente o terceiro, é tornar público o projeto que nos orienta na transformação de Dourados em uma Cidade Educadora e mostrar os primeiros passos para a operacionalização desse projeto.

Abrir arquivo

[1998] Até aqui o Laquicho vai bem: os causos de Liberato Leite de Farias

Ao refletir sobre a importância do contador de causos/narrador para a preservação da cultura, percebe-se que cada vez menos pessoas sabem como contar/narrar, com a devida competência, as experiências do cotidiano. Por quê? Para Walter Benjamin, as ações motivadoras das experiências humanas são as mais baixas e aterradoras possíveis em tempos de barbárie; as nossas experiências acabam parecendo pequenas ou insignificantes diante da miséria e da fragmentação humana, numa constatação que extrapola os espaços nacionais.

Abrir arquivo

[1991] O MOVIMENTO REIVINDICATÓRIO DO MAGISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL: 1978 - 1988

Momentos de grandes mobilizações têm teito do professorado de Mato do Sul a vanguarda do movimento sindicalista deste Estado. Este fato motivou a realização deste trabalho, que teve como proposta inicial analisar criticamente o movimento reivindicatóno do magistério de Mato Grosso do Sul, na perspectiva de revelar-lhe, tanto quanto possível, o perlil de luta, ao longo de sua palpitante trajetória em busca de melhorias salariais, estabilidade empregatícia e melhoria da qualidade do ensino.

Abrir arquivo

Contato

Informações de Contato

biasotto@biasotto.com.br