As regras do jogo

 

Wilson Valentim Biasotto *

7-jan-97

Não esperem que eu lhes diga exatamente quantos anos já se passaram desde que joguei, pra valer, bolinha de gude, que pulei sela ou rodei pião. Faz tanto tempo que já nem sequer me lembrava se o brinquedo feito de madeira, parecido com uma pêra e com ponta pontiaguda de metal, ao qual se enrola uma fieira para rodá-lo, era pião ou peão. Confesso que recorri ao dicionário para certificar-me de que era realmente pião.

Não me esqueci entretanto das regras existentes para cada tipo de jogo. Brincava-se de várias maneiras com as bolinhas de gude, com os piões ou de pular sela. Quando alguém sugeria que se jogasse triângulo, por exemplo, todos sabiam exatamente o que devia ser feito. Da mesma forma conhecia-se antecipadamente as regras quando se jogava pião ou se pulava sela. Aqueles que entravam no jogo submetiam-se às regras, custasse o que custasse. Muitos saiam de mãos abanando, sem uma bolinha sequer ou um único pião; outros saiam com as costas doendo de tanto selar para que a criançada fosse uma a uma, em fila, pulando sobre o que havia selado, metendo-lhe as mãos nas costas e repetindo as palavras do líder: “uma na mula... amassar pão... rosquinha... pular toco...”. Mas não se tinha do que e nem para quem reclamar, afinal, as regras, embora não fossem escritas, eram claras e, ademais só entrava no jogo quem quisesse.

Não me parece ser diferente com as crianças de hoje. Embora os jogos possam ser outros, as regras continuam existindo e são obedecidas. Crianças, mesmo que pequenas, esperam longos minutos diante do monitor de um computador até que o companheiro de jogo passe-lhe o comando do avião de guerra que se lança no espaço virtual.

As crianças tem as suas regras e elas nem precisam ser escritas. Nós, adultos, entretanto, preocupados com a falta de memória ou de decência, precisamos escrever as nossas regras. Não nos basta o uso costumeiro para que a norma fique automaticamente estabelecida: fazemos Leis, Códigos e Constituições. No Brasil mesmo, não faz ainda dez anos, em 1988, foi promulgada a nossa última Constituição. Nela se encontram as Leis Maiores do País, dentre as quais, inclusive, aquela que diz ser o mandato presidencial de quatro anos não sendo permitida a reeleição.

As crianças, pelo que me consta, não precisam jurar para cumprir as regras de seus jogos, os presidentes juram, juram cumprir e fazer cumprir a Constituição. Qualquer tentativa em contrário é, portanto, casuísmo, perjúrio e imoralidade.

 

*O autor é doutor em História Social pela

USP e professor do CEUD/UFMS

A reprodução do texto é permitida desde que citada a fonte.

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