De porteira fechada

 

Wilson Valentim Biasotto *

10-mai-97

 

Cinqüenta e oito, respondeu Seu Odilú, com jeito de acanhado, quando o comprador perguntou-lhe quantos hectares possuía. Nem lhe passou pela cabeça que o interessado relacionasse imediatamente 58 com o número de empresas pertencentes à Companhia Vale do Rio Doce. Falou o número omitindo a palavra mil. Seu Odilú nunca foi mesmo pessoa de ficar contando vantagens. Mesmo assim arrependeu-se. O comprador deveria estar querendo saber quantos hectares possuía a Vale da Esperança, propriedade que estava vendendo para saldar umas dívidas de financiamento que contraíra para plantar trigo e que não dera conta de quitar porque não pode concorrer com o similar argentino e canadense.

Logo refeito, Seu Odilú, explicou ao interessado a quantidade de hectares que estava à venda,  deu o preço pretendido e ficou olhando de soslaio para o seu interlocutor, na tentativa de captar-lhe alguma reação.

Jeremias, procurou disfarçar o entusiasmo, sem perceber que seus olhos brilharam com mais intensidade. Tirou do bolso uma calculadora e pôs-se a fazer contas. A cada resultado obtido parava e fazia as suas reflexões. O preço estava muito alto, pensava. Verdade que a área estava toda formada de pastagem. Tinha uns mil bois gordos, mas estariam incluídos no preço? O que Odilú, com certeza, desconhecia é que nessa sua propriedade havia alguns minerais que, explorados, pagariam o valor de mil daquelas fazendas. Apesar de caro, portanto, Seu Odilú, levaria um belo prejuízo.

De seu lado, Odilú, parecia fazer uma leitura dos pensamentos de Jeremias. Ele deve estar achando o preço alto, por certo vai propor que a venda seja de porteira fechada. Hum!, só falta ele me pedir que eu lhe repasse, junto com a fazenda, o meu saldo bancário? Bom, se ele souber da mina de bauxita vai pensar que sou bobo e achar o preço bom. Pobre tolo, mal sabe que tudo o que existe no subsolo é propriedade do Estado. Vai levar um belo prejuízo!

Tá caro, disse finalmente, o comprador. Por esse preço só se o senhor me der a fazenda de porteira fechada, com o crédito da última venda de bois e com direito de explorar o subsolo.

Olidú, mal esperou que o pretenso comprador terminasse a pronúncia da última sílaba para explodir:  quem o senhor pensa que sou? Papai Noel? Como pode passar pela cabeça de alguém vender uma propriedade nessas condições? Nem que eu tivesse roubado. Nem que tivesse roubado, venderia minhas terras nessas condições. Que seria dos meus filhos, dos meus netos?

Jeremias desculpou-se e despediu-se sem entender muito bem o motivo da explosão do vendedor.

*O autor é doutor em História Social pela

USP   e    diretor  do   CEUD/UFMS

 

A reprodução do texto é permitida desde que citada a fonte.

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