Marchemos

 

Wilson Valentim Biasotto *

16-abr-97

 

A turba avança destemida. Homens, mulheres e até crianças integravam a marcha. Passos firmes, destino certo: a capital. Tamanha determinação contrasta com o porte físico dos caminhantes: corpos desprovidos de qualquer espécie de celulite, rostos sofridos; usam sandálias e vestem roupas simples como a dos camponeses pobres.

Caminham. Como os peregrinos medievais, parecem não sentir cansaço Talvez a endorfina liberada pelo organismo lhes traga alguma compensação. Quem sabe lhes mova a fé, o alento de conquistar melhores dias para os seus.

Na capital, homens bem apessoados, sempre alegres, mesmo quando fingem estar preocupados com algo, aguardam. Não há surpresas. Seus arautos já lhes informaram de tudo. Sabem quantos são, a hora e o minuto em que chegarão, onde serão instalados e até mesmo o que será dito por eles.

É verdade que houve um momento de apreensão. Os homens bem vestidos da capital se assustaram quando viram algumas fotos dos caminhantes. Pensaram que os instrumentos que portam fossem armas mortíferas e que as suas expressões indicassem ares maldosos.

Logo, entretanto, os homens de rosto rosado, ficaram tranquilos. Foram informados de que as expressões não eram maldosas, mas de sofrimento e que aqueles instrumentos eram apenas ferramentas primitivas de trabalho.

Passado o susto inicial os bem apessoados da capital passaram a discutir a melhor estratégia para receber os caminhantes. Puseram-se a pensar e eu, por telepatia, captei dois desses pensamentos que jamais foram publicamente expressos. Um dos senhores pensantes da capital imaginou metralhá-los, mas logo desistiu da idéia porque lembrou-se de Eldorado dos Carajás onde bastou que se matasse apenas dezenove para que houvesse repercussão internacional. Um outro pensou em contratar bandidos fardados para exterminá-los em pequenos grupos, mas também desistiu da idéia porque recentemente um cinegrafista amador flagrou a polícia dando cacetada em cidadãos indefesos. Embora só tenha matado um, a imprensa, sensasionalista como sempre, repetiu a imagem à exaustão.

Finalmente um desses senhores, expôs alto e em bom som a sua idéia que, segundo ele próprio não tinha nada de nova e que já estava sendo utilizada no país há mais de quatrocentos anos: vamos recebê-los, disse ele, ouví-los, vamos abrir o diálogo.

Ao fazer silêncio para ouvir os pensamentos dos homens de ternos finos não pude deixar de ouvir também, e com maior nitidez, o som dos passos da gente que caminha, que avança, que marcha resoluta na busca de um pedaço de terra. Quiçá da terra que lhes dará os frutos para criar seus filhos com dignidade, quiçá da terra que lhes cobrirá os cadáveres. 

 

*O autor é doutor em História Social pela

USP   e    diretor  do   CEUD/UFMS

 

A reprodução do texto é permitida desde que citada a fonte.

Voltar

Livros

As Fabulosas Histórias de Bepi Bipolar

Ser convidada para escrever o prefácio deste livro de literatura
foi realmente muito gratificante e a deferência a mim concedida
pelo amigo, historiador e escritor Wilson Valentin Biasotto foi
recebida com surpresa e alegria

Abrir arquivo

2010: O ANO QUE NÃO ACABOU PARA DOURADOS

A obra ora apresentada é uma coletânea de crônicas publicadas em diversos meios de comunicação no ano de 2010. Falam, sempre com elegância e fluidez, de nossas vidas, de acontecimentos e de possíveis eventos em nosso país, especialmente em nosso município.

Abrir arquivo

MEDIEVO PORTUGUES: O REI COMO FONTE DE JUSTIÇA NAS CRÔNICAS DE FERNÃO LOPES

Nossa preocupação, nesse trabalho, foi a de estudar o comportamento dos reis, no que concerne à aplicação da Justiça, baseados nas crônicas de Fernão Lopes.

Abrir arquivo

Crônicas: Educação, Cultura e Sociedade

O livro ora apresentado é um apanhado de 104 crônicas, algumas de 1978 e a maioria escrita a partir de 1995 até a presente data. O tema Educação compõe-se de 56 crônicas, outras 16 são relatos descrevendo fábulas ou estórias oriundas da cultura italiana, e os emas Cultura e Sociedade compreendem, cada um, 16 crônicas.

Abrir arquivo

Crônicas: globalização, neoliberalismo e política

Esta obra foi editada em 2011 pela Editora da UFGD e reune 99 crônicas escritas principalmente nos últimos quinze anos, versando sobre a globalização, o neoliberalismo e política

Abrir arquivo

[2009] EDIFICANDO A NOSSA CIDADE EDUCADORA

Esse trabalho tem três objetivos principais, cada qual contemplado em uma das três partes do livro, como se verá adiante. O primeiro é oferecer ao leitor algumas reflexões sobre temas que ocupam o nosso dia-a-dia; o segundo é divulgar os vinte princípios das Cidades Educadoras e, finalmente o terceiro, é tornar público o projeto que nos orienta na transformação de Dourados em uma Cidade Educadora e mostrar os primeiros passos para a operacionalização desse projeto.

Abrir arquivo

[1998] Até aqui o Laquicho vai bem: os causos de Liberato Leite de Farias

Ao refletir sobre a importância do contador de causos/narrador para a preservação da cultura, percebe-se que cada vez menos pessoas sabem como contar/narrar, com a devida competência, as experiências do cotidiano. Por quê? Para Walter Benjamin, as ações motivadoras das experiências humanas são as mais baixas e aterradoras possíveis em tempos de barbárie; as nossas experiências acabam parecendo pequenas ou insignificantes diante da miséria e da fragmentação humana, numa constatação que extrapola os espaços nacionais.

Abrir arquivo

[1991] O MOVIMENTO REIVINDICATÓRIO DO MAGISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL: 1978 - 1988

Momentos de grandes mobilizações têm teito do professorado de Mato do Sul a vanguarda do movimento sindicalista deste Estado. Este fato motivou a realização deste trabalho, que teve como proposta inicial analisar criticamente o movimento reivindicatóno do magistério de Mato Grosso do Sul, na perspectiva de revelar-lhe, tanto quanto possível, o perlil de luta, ao longo de sua palpitante trajetória em busca de melhorias salariais, estabilidade empregatícia e melhoria da qualidade do ensino.

Abrir arquivo

Contato

Informações de Contato

biasotto@biasotto.com.br