Uma história neo que não é minha

 

Wilson Valentim Biasotto *

14-mai-97

 

Com três livros debaixo do braço entrei no salão da escola para proferir uma palestra sobre a crise na educação brasileira. Tive o cuidado de colocar alguns marcadores de página para, no momento oportuno, fazer algumas citações, ipsis litteris, objetivando comprovar o raciocínio que desenvolveria.

Pretendia demonstrar que a crise na educação brasileira tanto mais se agravaria quanto maior fosse o avanço do neoliberalismo e que, paradoxalmente, o trabalhador, que ao longo dos séculos criara toda a parafernália tecnológica que nos maravilha, estava, no momento, vivendo a expectativa de ser vítima do desemprego estrutural.

Enquanto a colega me apresentava àquele público, eu percorria com o olhar cada um daqueles rostos. Confundiam-se com os de meus filhos adolescentes, não com os de meus alunos da universidade, mais amadurecidos pelos anos. Em conseqüência talvez não se interessassem tanto se eu me prendesse a uma terminologia mais árida. Resolvi deixar de lado os livros, para começar a palestra com uma história que li dias atrás, não sei bem onde, mas provavelmente na Folha de São Paulo.

Floreando um pouco nos detalhes, mas não desviando-me do conteúdo, disse-lhes que dois jovens caminhavam por uma estrada. Não me lembrava se eram dois rapazes, se duas moças ou se um casal. Não lhes sabia também os nomes, afinal poderiam até mesmo estar entre eles, ali, naquele momento. Quando já estavam bem longe do ponto inicial da jornada depararam-se com um enorme urso. Imediatamente um dos jovens pegou a sua mochila, tirou um par de tênis novinho e pôs-se a calçá-lo.

Perplexo diante daquele quadro, o jovem companheiro perguntou de que adiantaria colocar tênis novos. Com certeza seriam estraçalhados pelo urso por mais que corressem.

A resposta foi imediata:

- Eu não preciso correr mais que o urso, basta que corra mais que você.

Os estudantes que me ouviam gostaram da história. Espero que, a partir dela, tenha atingido o meu objetivo de demonstrar que num país onde os governantes impõe o neoliberalismo como política econômica não pode haver educação de boa qualidade. Seria contraditório. Se todos fossem igualmente espertos, não haveria mais aptos, mais fortes, mais eficientes, mais lucrativos, mais competitivos. Não haveria, enfim, o próprio capitalismo em sua roupagem neoliberal.

 

 

*O autor é doutor em História Social pela

USP   e    diretor  do   CEUD/UFMS

A reprodução do texto é permitida desde que citada a fonte.

Voltar

Livros

As Fabulosas Histórias de Bepi Bipolar

Ser convidada para escrever o prefácio deste livro de literatura
foi realmente muito gratificante e a deferência a mim concedida
pelo amigo, historiador e escritor Wilson Valentin Biasotto foi
recebida com surpresa e alegria

Abrir arquivo

2010: O ANO QUE NÃO ACABOU PARA DOURADOS

A obra ora apresentada é uma coletânea de crônicas publicadas em diversos meios de comunicação no ano de 2010. Falam, sempre com elegância e fluidez, de nossas vidas, de acontecimentos e de possíveis eventos em nosso país, especialmente em nosso município.

Abrir arquivo

MEDIEVO PORTUGUES: O REI COMO FONTE DE JUSTIÇA NAS CRÔNICAS DE FERNÃO LOPES

Nossa preocupação, nesse trabalho, foi a de estudar o comportamento dos reis, no que concerne à aplicação da Justiça, baseados nas crônicas de Fernão Lopes.

Abrir arquivo

Crônicas: Educação, Cultura e Sociedade

O livro ora apresentado é um apanhado de 104 crônicas, algumas de 1978 e a maioria escrita a partir de 1995 até a presente data. O tema Educação compõe-se de 56 crônicas, outras 16 são relatos descrevendo fábulas ou estórias oriundas da cultura italiana, e os emas Cultura e Sociedade compreendem, cada um, 16 crônicas.

Abrir arquivo

Crônicas: globalização, neoliberalismo e política

Esta obra foi editada em 2011 pela Editora da UFGD e reune 99 crônicas escritas principalmente nos últimos quinze anos, versando sobre a globalização, o neoliberalismo e política

Abrir arquivo

[2009] EDIFICANDO A NOSSA CIDADE EDUCADORA

Esse trabalho tem três objetivos principais, cada qual contemplado em uma das três partes do livro, como se verá adiante. O primeiro é oferecer ao leitor algumas reflexões sobre temas que ocupam o nosso dia-a-dia; o segundo é divulgar os vinte princípios das Cidades Educadoras e, finalmente o terceiro, é tornar público o projeto que nos orienta na transformação de Dourados em uma Cidade Educadora e mostrar os primeiros passos para a operacionalização desse projeto.

Abrir arquivo

[1998] Até aqui o Laquicho vai bem: os causos de Liberato Leite de Farias

Ao refletir sobre a importância do contador de causos/narrador para a preservação da cultura, percebe-se que cada vez menos pessoas sabem como contar/narrar, com a devida competência, as experiências do cotidiano. Por quê? Para Walter Benjamin, as ações motivadoras das experiências humanas são as mais baixas e aterradoras possíveis em tempos de barbárie; as nossas experiências acabam parecendo pequenas ou insignificantes diante da miséria e da fragmentação humana, numa constatação que extrapola os espaços nacionais.

Abrir arquivo

[1991] O MOVIMENTO REIVINDICATÓRIO DO MAGISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL: 1978 - 1988

Momentos de grandes mobilizações têm teito do professorado de Mato do Sul a vanguarda do movimento sindicalista deste Estado. Este fato motivou a realização deste trabalho, que teve como proposta inicial analisar criticamente o movimento reivindicatóno do magistério de Mato Grosso do Sul, na perspectiva de revelar-lhe, tanto quanto possível, o perlil de luta, ao longo de sua palpitante trajetória em busca de melhorias salariais, estabilidade empregatícia e melhoria da qualidade do ensino.

Abrir arquivo

Contato

Informações de Contato

biasotto@biasotto.com.br