A Peste Negra

 

Wilson Valentim Biasotto *

09.09.98

A fame, impidemia et bello libera nos, Domine!

Da fome, da epidemia e da guerra, libertai-nos Senhor!

 

“A Peste Negra, cuja maior incidência foi entre 1348/49, tem como agente patogênico o bacilo Pasteurella pestis, ou Bacillus pestis ou ainda Yersinia pestis. A moléstia pode revestir-se de três formas: bubônica, pulmonar e septicêmica. A Peste Negra bubônica tem por vetor a pulga e por hospedeiros os roedores, em especial os ratos de cor escura, caracterizando-se pela formação de bubões fétidos nas axilas e juntas e apresentando manchas negras por todo o corpo. Atinge o elevado índice de 70% de mortes dentre os contaminados. A Peste Negra pulmonar diferencia-se na forma pela qual é transmitida, podendo ser contraída pelo simples hálito do contaminado que, note-se, torna-se repelente; chega a atingir o índice de 100% de mortes dentre os contaminados. A Peste Negra septicêmica, a mais violenta das três formas, provoca a morte do contaminado, mesmo antes da plena manifestação dos sintomas característicos de quaisquer das outras duas formas.

A história registra que a Peste Negra, manifestada na Europa em 1348, eclodiu no oriente. Segundo fontes confiáveis, em 1346 a feitoria genovesa de Cafa achava-se assediada pelas tropas do Cã Mongol do Kitchap que perseguiam os ocupantes de uma outra feitoria Genovesa, Tana, há pouco evacuada. Como a moléstia se manifestou nas hostes assediadoras, o Cã ordenou que se lançassem os cadáveres por sobre as muralhas de Cafa. Daí, os ratos escuros, hospedeiros das pulgas portadoras da moléstia, transmitiram a epidemia para Constantinopla, de onde esta se propagou para o Mediterrâneo. Por outro lado, a tropa de socorro, tendo acolhido os sobreviventes da epidemia, contaminou-se e ia disseminando a moléstia pelos portos onde escalava: Constantinopla; várias ilhas mediterrâneas; Messina e daí para toda Sicília; Gênova, Pisa; Toscana; Marselha, iniciando o contágio de Provença: por fim Maiorca. Não se pode dar como única explicação para a disseminação da peste a macabra frota genovesa, pois sabemos que atingiu toda a Europa; é provável que após a eclosão da pandemia na Criméia, se tenha verificado uma diversificação nas rotas de transmissão e que a amplitude alcançada pela peste se explica, não só pela unificação do mundo pelas rotas comerciais, mas também pelo estágio dos conhecimentos médicos, os hábitos de higiene e os costumes em geral da época.

Se já não aceitamos a Idade Média como uma era unicamente de trevas, somos, entretanto, forçados a concordar que algumas causas endógenas tiveram certa influência na propagação da Peste Negra pela Europa, a ponto de atingir proporções catastróficas. A própria mentalidade do medievo, atribuindo como causas do aparecimento da moléstia, de um lado, a má conjunção dos astros, a contaminação do ar, o envenenamento das fontes por judeus ou muçulmanos e mesmo o desencadeamento da ira divina sobre o mundo pecador; de outro, a falta de higiene e os precários conhecimentos médicos contribuíram para que a moléstia se alastrasse a ponto de matar cerca de 20% da população européia”.

Pois é! Esse é um excerto, um trecho apenas, de um artigo científico que escrevi para a Revista Textos, em 1976. Com ele quis demonstrar que a peste veio de fora, todavia, se não tivesse se deparado um corpo doente (a Europa com suas cidades imundas, etc.), não teria encontrado as condições propícias para o seu desenvolvimento. Assim é também com a crise financeira: ela pode até mesmo vir de fora, mas se o corpo (o Brasil) estivesse sadio, com uma economia saneada, não haveria o perigo de contágio. E, da mesma forma, como não adiantava culpar judeus ou o próprio Deus no caso da peste, não adianta culpar gregos nem troianos pela crise.

 Quem pariu Mateus que o embale.

O autor é doutor em  História Social

 pela USP e diretor do CEUD/UFMS

 

 

 

 

A reprodução do texto é permitida desde que citada a fonte.

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