A Laite e a Liguite

 

Wilson Valentim Biasotto *

28-set-96

 

 Carlito não tinha o sobrenome de Alemão, mas era assim que todos o conheciam e chamavam. Morava no sítio vizinho de meu avô, mas quando se viu sozinho no mundo, sem mulher, sem filhos, sem ninguém, vendeu tudo e foi para São Paulo viver com uma irmã.

Passados alguns anos apareceu o Carlito Alemão a fazer-nos uma visita. Bom de papo, foi contando tudo o que lhe havia sucedido na capital paulista. Disse que foi explorado logo que chegou: o motorista do táxi que o levara da Estação da Luz até a Rodoviária cobrara-lhe uma fortuna. Mas, segundo ele, isso jamais voltou a acontecer, não precisou mais que essa para ficar esperto.

Conversa vai, conversa vem, Carlito começou a discutir com meu avô sobre o preço da energia elétrica. Em São Paulo, dizia ele, o preço era muito elevado, se bem que ele sabia apenas a tarifa de uma empresa, da outra desconhecia.

Eu, que até então estava desinteressado pela conversa e que sempre pensara que São Paulo possuísse uma única empresa, arrisquei perguntar quais eram as duas companhias às quais Carlito se referia. Uma, é a Laite, disse ele, e a outra, menos famosa, e que nos fornece energia, é a Liguite.

Como o nosso amigo Carlito percebeu claramente que eu duvidava, procurou no meio de seus pertences um recibo e, vitorioso, mostrou o nome da empresa onde se lia Light.

Diante de tamanha gafe calei-me. É verdade que poderia ter dito ao Carlito que tudo não passava de um questão de pronúncia, que a Light era uma empresa canadense que atuava também no Rio por concessão do Estado; poderia esclarecer ainda que, faltando apenas dez anos para o término do contrato, o governo estava prestes a transformá-la em empresa estatal, alegando que não viabilizava mais a implantação de indústrias e atendia muito mal à população não lhe oferecendo mais a tão desejada luz, ou light, se quiserem.

E foi exatamente o que aconteceu: dez anos antes de vencer o prazo de concessão, o então todo poderoso ministro Delfim Neto promoveu a encampação da Light. Não duvido da existência de interesses financeiros grandiosos por trás dessa estatização, todavia não se pode negar que a encampação fazia parte de um plano do governo da época para melhorar o precário fornecimento da empresa que nunca tivera interesse na industrialização brasileira e muito menos no bem estar da nossa população.

Confesso que não me arrependo por ter me calado e não explicado nada disso ao Carlito. Não me arrependo também de nunca ter contado essa história para ninguém. E se o faço hoje, tornando-a pública, é somente porque estamos na eminência de cometer outra gafe e termos duas empresas de eletrecidade no Mato Grosso do Sul: uma, apenas em nossa lembrança, como testemunha de que as estatais são viáveis e necessárias, a Enersul, construída com o dinheiro dos contribuintes, e que nos orgulha, apesar de ter se prostituído algumas vezes nas alcovas de governos inescrupulosos; a outra, à qual sugiro o nome de Power and Light, deverá funcionar bem durante alguns anos, até que não sejam necessários investimentos pesados; depois, bem, depois é provável que o Estado a encampe, com o dinheiro do contribuinte, por ser ineficiente e inviabilizar a industrialização.

Só não tenho certeza se estarei vivo para ver.

*O autor é Doutor em História Social pela USP e professor no CEUD/UFMS

A reprodução do texto é permitida desde que citada a fonte.

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