Invertendo valores

 

     Wilson Valentim Biasotto*

 (re)escrita e encaminhada em 01-05-00

 

Minha impressão era de que tio Zezinho não gostava de política, mas vejo que estava enganado. Seu silêncio em torno do assunto talvez se devesse ao hábito adquirido ao longo dos anos em que exerceu atividades comerciais. Hoje, passado dos setenta anos, aposentado, embora não tenha requerido os benefícios a que faria jus, ensaia com êxito algumas reflexões em torno da arte de governar.

Dias atrás, tendo por veículo uma conversa de fim de tarde, fizemos um passeio interessante pelo mundo, pelo país e pelo nosso estado. Conversa vai, conversa vem, chegamos ao curso de Medicina. Tio Zezinho queria saber se a Santa Casa estaria concluída quando os alunos necessitassem de hospital escola para os seus estudos. Disse-lhe acreditar que seria possível, as obras continuavam, o governo do estado estava repondo, a duras penas, um milhão e setecentos mil reais desaparecidos no governo anterior e que, após essa reposição, parecia-me possível contar com a liberação de cinco milhões e trezentos, pelo governo federal, para a conclusão das obras.

Um milhão e setecentos! Repetiu num sussurro tio Zezinho. E continuou, como quem pensa em voz alta: se aplicar a três por cento ao mês... a três por cento... e ao mesmo tempo for tocando a obra... hum... Vou fazer esse cálculo, disse-me enfim, como quem descobre a pólvora.

No outro dia recebi os cálculos feitos, à mão, com impressionante precisão. Se aplicássemos um milhão e setecentos em 1º de janeiro de 1999, data em que Zeca assumiu o governo, e deveria ter encontrado esse dinheiro em caixa, a juros de 3%, e tivéssemos uma despesa entre oitenta e noventa mil reais mensais ao longo de um ano, ainda teríamos um saldo de R$ 1.199.116,10

A contabilidade é relativamente simples. Tio Zezinho aplicou o milhão e setecentos desaparecido a juros de 3%. No primeiro mês obteve um rendimento de cinquenta e um mil reais e, como investiu oitenta mil reais em material e mão de obra, ficou com um saldo de R$ 1.671.000,00. No mês seguinte aplicou esse saldo, novamente a 3%, obtendo R$ 50.130,00 de juros. Como investiu nesse mês R$ 85.260,00 em material e mão de obra, ficou com um saldo de R$ 1.635.870,00. E assim sucessivamente.

Veja o leitor, até onde vai o raciocínio do tio Zezinho: se dessa aplicação mensal entre 80 e 90 mil reais, tirássemos 20 mil fixos para a mão de obra, e o restante, 60 a 70 mil, para material, empregaríamos 50 funcionários, com salário médio de 400 reais mensais e a obra não teria sido paralisada em momento algum.

Em resumo, do milhão e setecentos que desapareceu, tio Zezinho manteria a obra durante todo o ano, com 50 funcionários, movimentaria R$ 1.038.336,10 (sendo R$ 492.337,59 de juros e R$ 545.998,51 de descapitalização) e ainda teria um saldo de R$ 1.199.116,10.

Ah! Tio Zezinho, sossega! Sossega senão daqui um pouco todo mundo vai começar a pedir-lhe cálculos mais complicados. Por exemplo, que tal exercitar com esse milhão que o governador está cotizando para patrocinar uma escola de samba do Rio. As críticas têm sido ácidos, mas, calcule para nós o retorno desse dinheiro através dos turistas que serão atraídos de todas as partes do mundo, a divulgação de Mato Grosso do Sul e a conseqüente atração de empresários do ramo turístico. Quanto dará ao estado, no curto, médio e longo prazos?

Percebe tio Zezinho, como nesta dança de milhões pode haver significativa inversão de valores?

* Doutor em história social pela USP e

 diretor da Câmpus de Dourados - UFMS

biasotto@ceud.ufms.br

 

A reprodução do texto é permitida desde que citada a fonte.

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