A música como fonte de reflexão

Wilson Valentim Biasotto *

 

A música Procissão dos Retirantes de Pedro Munhóz, com letra de Martin Cezar Ramires Gonçalves, uma das dezoito que integram o CD "Canções que abraçam os sonhos", lançado em fevereiro de 99 no I Festival Nacional de Reforma Agrária é, dentre tantas outras, mais uma prova inequívoca de que o MST não é formado por um bando de baderneiros mas um movimento de cidadãos com consciência política dos graves problemas sociais brasileiros e com um limite de tolerância dificilmente encontrado em outros países.

Veja o meu caro leitor, em alguns trechos selecionados, se o teor da música não está perfeitamente correto : "Terra-Brasilis, Continente / Pátria-Mãe da minha gente / Hoje eu quero perguntar / Se tão grandes são teus braços / Por que negas um espaço / Aos que querem ter um lar? (...) Eu não consigo entender / que nesta imensa nação / ainda é matar ou morrer / por um pedaço de chão! (..) Eu não consigo entender / achar a clara razão / de quem só vive prá ter / e ainda se diz bom cristão! (...) Eu não consigo entender / que em vez de herdar um quinhão / teu povo mereça ter / só sete palmos de chão".

Essa, a exemplo de tantas outras músicas, ao contrário de incitar a luta armada ou ao invés de alienar o povo, procura mostrar que é possível um mundo melhor, mais justo, mais solidário, um mundo onde se possa viver mais feliz. Músicas como está deveriam estar tocando em todas as rádios, executadas em todos os canais de televisão e, o povo brasileiro, ouvindo-as, poderia se posicionar favorável a uma reforma agrária pacífica, que tirasse nossos irmãos debaixo das lonas pretas. Porque quem apenas passa por um acampamento não sente o que é viver debaixo de uma lona. Seria preciso que passássemos ao menos uns dias acampados e, nesses dias, conseguíssemos experimentar alguns fenômenos naturais, como uma chuva torrencial ou um calor de quarenta graus. E, se nesses dias experimentássemos também alguns problemas com a nossa saúde? Um desarranjo intestinal durante uma noite chuvosa? Uma dor de dente daquelas que se iniciam na cárie de quem não pode cuidar-se e parece penetrar no cérebro?

O desconforto de não se poder sequer arrotar debaixo da lona preta, devido a vulnerabilidade das paredes passa longe, muito longe da compreensão da extrema direita brasileira. A disciplina vigorosa imposta nos acampamentos, onde não se pode tomar uma cerveja ou piscar para uma garota também não é sequer cogitado no meio daqueles que não conseguem entender que o MST constitue-se num movimento de gente humilde, expropriada, que luta com dignidade e com consciência política de sua pobreza.

Olhando por esse ângulo, sou de opinião que as ocupações de terras devam ser avaliadas como estratégia política pacífica daqueles que, mesmo acampados ao longo de rodovias, não conseguiram ser enxergados pelos seus irmãos possuidores de terras, casas, carros, empregos. E vou além, se não conseguirmos enxergar os sem terra, os sem teto, sem alimentos, sem alfabetização, não conseguiremos evitar no futuro a radicalização desses movimentos, o que será muito pior para toda a sociedade.

No Brasil não se pode mais conviver com tanta desigualdade. As elites agrárias precisam entender que o mundo mudou. Não estamos mais na época em que a terra era o único sinônimo de riqueza e poder. Hoje existem indústrias, edifícios, comércio, bolsa de valores e outras milhares de maneiras de se investir dinheiro e garantir rendas muito maiores que a exploração da terra.

Depois essa mesma elite é a primeira a pedir segurança.

A sociedade brasileira e os governantes que a representam têm que fazer muitas opções nesse terceiro milênio, dentre elas uma é construir cadeias de segurança máxima, outra é assentarmos essas pessoas, abrirmos mão de alguns milhares de hectares que estão reservados à especulação para diversificarmos as nossas atividades e termos menos medo e mais alimentos em nossas mesas, menos cadeias e mais escolas.

 

*O autor é doutor em História Social pela

USP,   professor aposentado   da   UFMS/Dourados

                                                                       e   vereador (PT),  licenciado para exercer o cargo de

                                     Secretário de Governo da Adm. Municipal.

 

 

Escrito em 12/09/03 e enviado como sugestão ao amigo Ricardo. A idéia é incentivarmos as pessoas a escreverem uma série de artigos sobre a UFGD

(não foi publicado)

 

A reprodução do texto é permitida desde que citada a fonte.

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