Crônica em retalhos: o rescaldo

Bonança: Depois da tempestade a bonança, depois do incêndio o rescaldo. Ou como dizia a minha avó: nada como um dia atrás do outro e uma noite exprimida no meio de dois dias. Dourados passou por momentos ímpares em sua história, mas com certeza houve um aprendizado profundo.

Aprendizado: O aprendizado pode dar-se pela dor e pela reflexão. Quem, por exemplo, quando criança colocou a mão no fogo para ver se queimava aprendeu pela dor. Quem, no entanto, viu ou ouviu dizer que a queimadura dói e (re)elaborou mentalmente o que pode lhe suceder se colocar  mão no fogo, aprendeu pela reflexão. Não é diferente com a escolha de nossos representantes. 

Absoluta legalidade: Até o momento em que escrevi essa crônica, o processo de sucessão do prefeito em Dourados ocorreu dentro da mais apurada lógica do Direito. Havendo a vacância do cargo de prefeito, assumiria o vice. Na impossibilidade do vice o cargo seria preenchido pelo presidente da Câmara Municipal. Estando esse também impedido, deve assumir o juiz da Comarca e como Dourados tem vários juízes o correto é que o Diretor do Fórum assuma como de fato ocorreu. 

Novas eleições já! O juiz Eduardo Rocha, um ilibado cidadão douradense, assumiu a prefeitura de Dourados para cobrir a vacância do cargo. Cumprirá bem a sua função se não partidarizar as nomeações e se determinar no mais breve espaço de tempo possível a realização de novas eleições. Partidarizando as nomeações e dilatando o prazo para novas eleições poderá induzir resultados.

Continuidade legítima: Para que esse processo de sucessão do prefeito continue sendo aquilo que os bacharéis chamam de Ato Jurídico Perfeito, é necessário que o Juiz-Prefeito – Eduardo Rocha - dirija os destinos da cidade até a realização de novas eleições. O que puder fazer nesse tempo para saneamento geral será bem vindo.

O golpismo: Qualquer casuísmo deve ser considerado golpe. A senadora Marisa Serrano, por exemplo, afirmou que deveria ser nomeado um interventor de fora para resolver a situação de Dourados. Prova de que ela não conhece absolutamente nada sobre a nossa cidade. Por outro lado dizer que compete ao governador nomear o interventor e até já elaborar uma lista tríplice, como fez o Diretório Municipal do PMDB é resquício da mentalidade ditatorial e golpista.

Dourados forte: Depois reclamam que o destino de Dourados é decidido em Campo Grande. Pedir um interventor além de ilegal, nesse caso, é entregar mais uma vez uma decisão que deve ser nossa para a Capital. Dourados precisa buscar em seu próprio seio as forças capazes de revitalizar o seu desenvolvimento harmonioso. Com a sua própria força haverá então de somar também forças externas, tanto na esfera estadual quanto federal.

Esforço conjugado: Todas as vezes em que as nossas forças vivas se uniram em torno de objetivos comuns, houve conquistas importantes. Assim foi em relação ao estádio, ao prolongamento da Av. Marcelino Pires, aos cursos de Agronomia e Medicina, ao Hospital Universitário, UEMS e UFGD, Perimetral Norte... Enfim Dourados tem muitos exemplos de sucesso.

Vanguarda preparada: Claro que tanto na política quanto nos empreendimentos particulares há a necessidade de uma vanguarda preparada para dar rumos às respectivas instituições que dirigem. Os empresários que erram na escolha dos diretores de suas empresas tendem ao fracasso. Assim é também com as cidades, os estados e a nação. Ao defendermos a Democracia, ao nos posicionarmos contra as ditaduras e intervenções ilegítimas estamos abrindo a possibilidade de corrigirmos eventuais erros.

A vergonha: Ouço muita gente dizer que o sucedido em Dourados foi uma vergonha. Não concordo, ao contrário, penso que o ocorrido em nossa cidade deveria servir de exemplo. Ou será que o resto do mundo acha que o que aconteceu conosco só existe aqui?  Não será mais verdadeiro dizer que tem muita gente sentando em cima do próprio rabo para falar do rabo dos outros?

Calabar: Quando fazemos os nossos estudos fundamentais aprendemos que Calabar foi um traidor. Mais tarde, quando lemos a peça Calabar, de Chico Buarque de Holanda e Rui Guerra, percebemos que a traição é coisa relativa. Calabar pode ser um traidor para os brasileiros, mas um herói para os holandeses.  

Passaia: Herói ou traidor? Nem uma coisa nem outra. Apenas um homem que fez aquilo que lhe determinou a consciência. Eleandro Passaia de qualquer forma entra para a história de Dourados por ter sido o pivô dessa reviravolta no governo Ari. O que lamentavelmente passou despercebido é que Passaia provou também que precisamos aperfeiçoar os mecanismos de proteção da sociedade. Isso tudo poderia ter sido perfeitamente evitado.

Poder Legislativo: Não é sempre que aparece um Passaia. Teria sido menos traumático se a Assembléia Legislativa tivesse cassado o mandato de deputado do Ari quanto ele depredou o patrimônio público. E a Câmara Municipal? Ora, quantas vezes alertei para o equívoco de o TSE ter reduzido o número de vereadores? Deveria ter reduzido o repasse financeiro que é feito ao legislativo e não a representatividade. Dirão alguns que tanto faz: para ter maioria o prefeito precisaria de nove num total de dezessete, o que daria no mesmo. Não senhor, mesmo se a maioria não fosse legítima, mesmo que houvesse a cooptação de 9 dos 17 vereadores, ficariam oito para fazer oposição. Isso é democracia. 

A Justiça: A Justiça também não teve várias oportunidades para impedir isso tudo? E o Tribunal de Contas? E a imprensa investigativa?

Anjos e demônios: “Diga-me com quem andas e te direi quem és”. A pergunta que não quer calar? Cadê os protetores do prefeito Ari Artuzi?

E o povo?  Bem, o povo foi cativado. E como disse Exupéry no Pequeno Príncipe: “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”, logo o erro não está no povo e sim em quem não se tornou responsável por cativá-lo. Mas, de qualquer forma, vale a ressalva aos que vendem o voto: será que vale a pena vender o voto por dois tostões e perder 2 milhões por mês só na Saúde?

Consolo: “Oh! mar, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal? (...) Valeu a pena? Tudo vale a pena se a alma não é pequena”, já dizia Fernando Pessoa em relação às Grandes Navegações.E agora vos digo, talvez como consolo: acredito que Dourados é muito mais conhecida internacionalmente por ser uma Cidade Educadora, do que pelo ocorrido nesse setembro primaveril.

A reprodução do texto é permitida desde que citada a fonte.

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Livros

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