Bepi Bipolar (VI): O que é a vida?

                        

Na última fabulosa história de Bepi Bipolar ele disse ao amigo Tino Sonso que se ausentaria por um tempo. Saíra, segundo disse, em busca de respostas que não encontrava em seu cafundó. E pôs-se a contar as suas façanhas para o amigo, iniciando por uma visita a um hospital.

Permita-me, o caro leitor, que eu reconte essa história, pois assim o pouparei de possíveis revertérios, passíveis de suceder-se em razão da bipolaridade de Bepi, ora com, ora sem senso.

            Ao entrar no hospital, duas moças vestidas de branco passaram apressadas, quase correndo, carregando um paciente em maca apropriada. Bepi as seguiu de perto e quando já voltavam perguntou de supetão a uma delas: “O que é a vida? A vida humana?”.

A vida, respondeu a maqueira: a vida é essa correria que você viu, é todo dia, seja o dia noite ou seja mesmo dia. Uma correria, isso é a vida.

Bepi seguiu pelo corredor e cruzou com um médico de passos apressados e dirigiu-lhe a mesma pergunta: “Dr. o que é a vida?

A vida, ora, a vida, respondeu-lhe o médico, é o funcionamento harmonioso das células que formam os órgãos do corpo humano. Isso é a vida.

Bepi entrou em uma grande enfermaria seguindo o médico e enquanto ele fazia as suas visitas, deteve-se à cabeceira de um paciente já avançado em idade, mas com  muito brilho no olhar, o rosto calmo e complacente e perguntou-lhe: “o que é a vida?”

O idoso olhou para Bepi serenamente como se essa fosse a pergunta mais corriqueira do mundo e respondeu-lhe: “ A vida, meu filho, é o confronto permanente entre a doença e a saúde. Todos sabemos o desfecho dessa contenda, mas desconhecemos a sua hora porque temos sempre a esperança junto de nós. 

No hospital havia uma ala pediátrica. Em uma ampla sala encontravam-se dois jovens fantasiados de palhaços, fazendo graças para as crianças enfermas. O que é a vida, perguntou-lhes Bepi.

A vida, respondeu a palhaçinha, a vida é o sorriso daquela criança. Veja! Aquilo é a vida expressa em sua face.

Bepi passou pela capela do hospital justamente na ora em que algumas pessoas retiravam-se. Entrou e foi logo perguntando ao religioso que acabara naquele instante o seu ofício: “o que é a vida?”

“A vida, filho, é uma rápida passagem por esse mundo para em seguida ganharmos a eternidade ao lado do Pai, ou a geena de fogo se formos merecedores dessa pena”.

Bepi passou horas e horas caminhando pelos corredores do hospital até que se viu em um local praticamente ignorado tanto pelos doentes quanto pelos sãos, uma sala branca com uma maca ao centro sobre a qual repousava um corpo. Ao lado, dois homens trabalhavam sobre ele dando-lhe uma aparência digna para que recebesse o último adeus de seus familiares e amigos. Bepi perguntou-lhes: “o que é a vida?”. Um deles abriu um sorriso que Bepi não soube definir e respondeu-lhe que a vida era carregar defuntos, ao que o outro emendou: “felizes são os que os carregam”.

Sorrateiramente, Bepi esgueirou-se até um local onde se lia “proibida a entrada”. A porta tinha um cadeado, mas sabe-se lá por qual razão se encontrava destravado. Bepi entrou naquela ala reservada. De cócoras defronte a uma das portas, um homem alisava a barba com os dedos. Permanecia imóvel, nem um músculo se mexia, os olhos estavam fixos no nada.

Bepi acocorou-se à sua frente e perguntou-lhe: “o que é a vida?” Em seguida esperou, esperou, até que aquele homem louco de serenidade, com voz pausada e macia, respondeu-lhe: “a vida é a busca da razão”.

Ainda nessa ala Bepi Bipolar deparou-se com um homem recitando versos e perguntou-lhe o óbvio: “Você é um poeta?”

- Sou poeta e recitador, de versos alheios e dos meus próprios versos. Que quer ouvir o amigo?

Desejo saber o que é a vida, disse-lhe Bepi já meio cansado.

- A vida, amigo, já bem disse o nosso poetinha: “é a arte do encontro, embora haja tantos desencontros pela vida”

Bepi Bipolar sorriu e afastou-se, ouvindo o poeta concluir os versos de Vinicius “a vida é uma só / duas mesmo que é bom ninguém vai me dizer que tem/ sem provar e muito bem provado / com firma passada em cartório do céu / e assinado em baixo: Deus. E com firma reconhecida”.

Dou-me por feliz de ter feito o relato da visita de Bepi Bipolar ao hospital., pois veja o caro leitor pela conclusão que ele fez ao amigo Tino Sonso, se é possível acompanhar o seu raciocínio: “A vida, Tino, é uma correria de células em luta contra doenças que passam por esse mundo transformadas em sorriso ou  buscando a razão para serem levadas ao céu ou ao inferno ao som dos versos de Vinicius de Morais”.

A reprodução do texto é permitida desde que citada a fonte.

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Livros

As Fabulosas Histórias de Bepi Bipolar

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pelo amigo, historiador e escritor Wilson Valentin Biasotto foi
recebida com surpresa e alegria

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