O ervateiro: a deposição simbólica de uma obra artística

Afirmei certa vez que a palavra, uma vez proferida, já não pertence ao seu enunciador. Da mesma forma ocorre com a poesia, com a música, com as criações artísticas de modo geral. O artista é o criador, e até pode receber direitos autorais, não há dúvidas, mas a sua criação, a partir do instante em que é divulgada ou exposta, passa a pertencer ao público e é interpretada pela crítica segundo concepções artísticas e conforme a época em que for avaliada.

Sou de opinião que primordialmente a arte imita a vida. Assim é desde a primeira manifestação artística que se conhece: um nu feminino esculpido há 35 mil anos em osso de mamute, conhecida pelo nome de Vênus de Hohle Fels (cf. Folha, 14/05/2009).

O que torna uma obra, mesmo que primitiva, em obra de arte? Pelo que entendo, é a capacidade do artista em transformar o real em simbólico e abstrato.

Pensemos em produção mais recente e muito mais famosa que a Vênus acima referida. Um quadro imortalizado de Leonardo Da Vinci, produzido no início de 1500. Mona Lisa não é uma transposição para a tela de uma modelo que pousou à frente do artista florentino. O quadro transcende às interpretações. O sorriso enigmático e inimitável de Mona não foi dado, foi criado. É arte pura, mas imita a vida.

E que dizer da obra mais conhecida de Pablo Picasso: Guernica? O painel de Picasso não é a Guerra Civil Espanhola de 1937, é uma representação da Guerra. A guerra em si foi inspiração, sua representação é arte. Arte imitando a vida, mesmo que seja o fim da vida, a morte. Guernica, como Mona Lisa são obras perpetuadas, imorredouras.

Em Dourados temos várias obras de arte que também se perpetuam, embora em âmbito regional. Tomemos duas: a estátua de Antonio João e o Monumento ao Colono.

O caro leitor acredita mesmo que o nosso herói nacional, Antonio João, teria tombado da forma como é retratado pelo artista que produziu a sua estátua?  Cá entre nós, convenhamos, a estátua é representação, é arte, é uma idealização do autor que transformou a morte brutal em uma queda suave e até romântica.

Poucos conhecem o idealizador dessa obra, no entanto sabemos que o prefeito Totó Câmara, quando reformou a praça Antonio João, em meados dos anos 70, retirou a sua estátua do local, mas teve o bom senso de recolocá-la no mesmo lugar.

Outra obra artística de nossa cidade é o Monumento ao Colono, arquitetado por Luís Carlos Ribeiro e construído na Administração Brás Melo. As mãos espalmadas colocadas no cimo de um pequeno morro artificial elevam a figura do colono a um plano superior. É obra de arte, é representação, é homenagem, no caso, não ao herói individualizado, mas homenagem ao coletivo, saudação às mãos que produzem e quase nunca são convidadas para o banquete.

Poderíamos tomar muitas outras exemplificações de obras artísticas postas em nossas avenidas e parques, mas encerremos a nossa crônica de hoje falando do ervateiro.

Talvez muitos preferissem que fosse colocada na confluência da Av. Marcelino Pires com a Presidente Vargas a estátua de Thomas Larangeira, no entanto, a Administração Tetila optou em homenagear o trabalhador coletivo dos ervais de nossa região. O ervateiro, da mesma forma que o Monumento ao Colono, Antonio João, Guernica,  Mona Lisa ou a Vênus de Hohle Fels, é representação. É arte. Arte pura, arte imitando a vida, concebida por Mestre Ciço.

Sua destruição, ao contrário, é ato vandálico, mas que também se reveste de um simbolismo profundo. O atual prefeito nem pensa em destruir, por exemplo, o Aterro Sanitário, o HU, a UFGD, o Shopping, enfim, nenhuma das quinhentas e cinqüenta obras trazidas pelo PT para Dourados. Destrói um símbolo com um ato simbólico: ao amputar as pernas do ervateiro a atual administração tenta amputar a administração petista. Seria de rir não fosse trágico.

Quanto a retirada das ciclovias, nem precisamos apelar para que Freud explique. A mais elementar das análises é suficiente.

A reprodução do texto é permitida desde que citada a fonte.

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Livros

As Fabulosas Histórias de Bepi Bipolar

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Esta obra foi editada em 2011 pela Editora da UFGD e reune 99 crônicas escritas principalmente nos últimos quinze anos, versando sobre a globalização, o neoliberalismo e política

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