Uma crônica para Ledenice

Uma crônica para Ledenice

 

Em seu leito no Hospital do Servidor Público, em São Paulo, buscando a recuperação de sua saúde, ela leu “Dourados”, no crachá de identificação do médico residente que a cuidava. Você é de Dourados? Conhece o professor Wilson Biasotto e o professor Valdeir Justino?

Sou de Catanduva, respondeu o médico, mas estudei Medicina em Dourados e fiquei hospedado na residência do professor Biasotto no início do curso. Conheço também toda a família do professor Valdeir, pois estudei com o seu filho Thiago.

O Thiago, da Shirley e do Valdeir! Eu o embalei quando era neném. Gostaria de ver ao menos uma foto dele. E já não pôde mais falar porque a voz foi lhe sumindo para que os olhos falassem através das lágrimas.

Evandro cuidou para que a foto do Thiago fosse mandada via internet e talvez ainda tenha tempo de transmitir-lhe o meu fraterno abraço.

Ah! Esse mundo tão grande, como pode se fazer pequeno para permitir a construção de enredos tão comoventes!

Eu a conheci em 1975, talvez 76. Cursava o programa de Mestrado da Universidade de São Paulo e, como naquela época a nossa Universidade não concedia afastamento para capacitação e nem bolsa, viajava toda a semana para a capital paulista.

Foi nessa circunstância que o então diretor do CEUD, hoje UFGD, Milton de Paula, entusiasmado com a possibilidade de contratação de uma mestre, tão difícil naqueles tempos, pediu-me se eu poderia trazer a professora Ledenice Damásio da Silva para  Dourados. Eu iria de ônibus e voltaria guiando o karman-guia da futura colega.

Encontrei-me com Ledenice na USP e ela muito amavelmente dispensou os meus préstimos. Disse-me que uma amiga gostaria de conhecer Dourados e que, portanto, viriam juntas, num outro dia. Compreendi perfeitamente as razões da professora e o nosso primeiro encontro não teria sido constrangedor se eu tivesse dinheiro para a passagem de volta. Não tinha. Tive que lhe pedir emprestado.

Tornamo-nos amigos, morávamos vizinhos, no BNH 1º Plano. Ledenice tivera uma formação clássica invejável da qual me socorri diversas vezes, inclusive na tradução de um texto em francês arcaico que, embora curto, quase nos pôs à beira do estresse: “Letere du Duc de Glaucester au Roi de Bourges”. Cito essa passagem porque Ledenice não era a única que dominava o francês,  no entanto, vários professores que conheciam bem essa língua, nem sempre conheciam o período histórico em pauta, dentre elas, a professora Maria Helena Boschilla, uma outra personalidade brilhante que trabalhou no CEUD nos anos 70.

Ledenice parecia ter se adaptado bem em Dourados, apesar de nossa cidade, àquela época, ser ainda pequena e sem os recursos culturais e literários que dispunha em São Paulo. Mas, com o tempo, passou a dizer que queria voltar para a sua terra, não São Paulo, sua terra mãe: a África.

Demitiu-se e partiu. Só agora temos notícias. Não realizou o seu sonho que talvez tenha até desvanecido.

Quantos pensamentos devem passar pela cabeça de uma intelectual tão brilhante enquanto aguarda a morte? Não posso imaginar. Compreendo apenas as suas lágrimas, são de saudades, são de amizade. Não importa se não nos vimos mais, as amizades nós não a medimos pelo tempo em que passamos juntos, mas pelo afeto que guardamos em nossos corações.

Colegas e alunos da professora Ledenice Damásio da Silva carregarão consigo um pouquinho dela. Ah! E eu que me assustei quando dez ou quinze anos atrás ouvi a professora Ana Maria Domingues dizer-se triste porque estamos enterrando os nossos pais, agora surpreendo-me com a partida de nossos próprios colegas.

 

A reprodução do texto é permitida desde que citada a fonte.

Voltar

Livros

As Fabulosas Histórias de Bepi Bipolar

Ser convidada para escrever o prefácio deste livro de literatura
foi realmente muito gratificante e a deferência a mim concedida
pelo amigo, historiador e escritor Wilson Valentin Biasotto foi
recebida com surpresa e alegria

Abrir arquivo

2010: O ANO QUE NÃO ACABOU PARA DOURADOS

A obra ora apresentada é uma coletânea de crônicas publicadas em diversos meios de comunicação no ano de 2010. Falam, sempre com elegância e fluidez, de nossas vidas, de acontecimentos e de possíveis eventos em nosso país, especialmente em nosso município.

Abrir arquivo

MEDIEVO PORTUGUES: O REI COMO FONTE DE JUSTIÇA NAS CRÔNICAS DE FERNÃO LOPES

Nossa preocupação, nesse trabalho, foi a de estudar o comportamento dos reis, no que concerne à aplicação da Justiça, baseados nas crônicas de Fernão Lopes.

Abrir arquivo

Crônicas: Educação, Cultura e Sociedade

O livro ora apresentado é um apanhado de 104 crônicas, algumas de 1978 e a maioria escrita a partir de 1995 até a presente data. O tema Educação compõe-se de 56 crônicas, outras 16 são relatos descrevendo fábulas ou estórias oriundas da cultura italiana, e os emas Cultura e Sociedade compreendem, cada um, 16 crônicas.

Abrir arquivo

Crônicas: globalização, neoliberalismo e política

Esta obra foi editada em 2011 pela Editora da UFGD e reune 99 crônicas escritas principalmente nos últimos quinze anos, versando sobre a globalização, o neoliberalismo e política

Abrir arquivo

[2009] EDIFICANDO A NOSSA CIDADE EDUCADORA

Esse trabalho tem três objetivos principais, cada qual contemplado em uma das três partes do livro, como se verá adiante. O primeiro é oferecer ao leitor algumas reflexões sobre temas que ocupam o nosso dia-a-dia; o segundo é divulgar os vinte princípios das Cidades Educadoras e, finalmente o terceiro, é tornar público o projeto que nos orienta na transformação de Dourados em uma Cidade Educadora e mostrar os primeiros passos para a operacionalização desse projeto.

Abrir arquivo

[1998] Até aqui o Laquicho vai bem: os causos de Liberato Leite de Farias

Ao refletir sobre a importância do contador de causos/narrador para a preservação da cultura, percebe-se que cada vez menos pessoas sabem como contar/narrar, com a devida competência, as experiências do cotidiano. Por quê? Para Walter Benjamin, as ações motivadoras das experiências humanas são as mais baixas e aterradoras possíveis em tempos de barbárie; as nossas experiências acabam parecendo pequenas ou insignificantes diante da miséria e da fragmentação humana, numa constatação que extrapola os espaços nacionais.

Abrir arquivo

[1991] O MOVIMENTO REIVINDICATÓRIO DO MAGISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL: 1978 - 1988

Momentos de grandes mobilizações têm teito do professorado de Mato do Sul a vanguarda do movimento sindicalista deste Estado. Este fato motivou a realização deste trabalho, que teve como proposta inicial analisar criticamente o movimento reivindicatóno do magistério de Mato Grosso do Sul, na perspectiva de revelar-lhe, tanto quanto possível, o perlil de luta, ao longo de sua palpitante trajetória em busca de melhorias salariais, estabilidade empregatícia e melhoria da qualidade do ensino.

Abrir arquivo

Contato

Informações de Contato

biasotto@biasotto.com.br