A complexidade da questão indígena

Wilson Valentim Biasotto *

 

A complexidade da questão indígena 

Encontrando-nos em Brasília no dia 30 de março, o prefeito Tetila e eu, tivemos a honra de tomar o café da manhã com o coordenador de projetos da UNICEF, Dr. Halim Girardi. Nesta oportunidade Dr. Halim nos informou da disposição da UNICEF em promover uma grande campanha em âmbito nacional visando arrecadar fundos para levar água potável a todos os índios de Mato Grosso do Sul.

Anteriormente, no dia 23 de março, o Dr. Halim estivera conosco em Dourados. Homem experimentado e atuante, em pouco tempo tinha formado opinião sobre a questão que estava em voga na mídia: a desnutrição das crianças indígenas. Os mais graves problemas detectados pelo representante da UNICEF seriam a falta de água de boa qualidade e a deficiência crônica de Vitamina A nas crianças indígenas.

Nessa oportunidade não nos passou desapercebido que o Dr. Halim Girardi conhecia a boa vontade de várias instituições sediadas em Dourados em relação à questão indígena e a atuação de Tetila na Reserva, não somente na qualidade de prefeito mas também como defensor histórico da causa indígena.

Graças a essa compreensão do Dr. Halim Girardi é que a UNICEF se propôs a realizar a campanha que mencionamos acima. O café da manhã do dia 30 ofereceu-nos a oportunidade de ouvir a proposta da UNICEF e ponderarmos sobre o assunto, afinal, mesmo sendo uma campanha para o bem da população indígena ela implicava em juízos de valor que nós tínhamos que avaliar.

Optamos por partilhar a decisão com a FUNASA e, felizmente, na mesma manhã conseguimos audiência com o Dr. Alexandre Padilha, Coordenador de Saúde Indígena da Fundação Nacional de Saúde.

Feliz coincidência. Ao chegarmos na reunião na FUNASA já estava se discutindo uma ampla campanha para suprir a deficiência de Vitamina A. Um problema a menos. E quanto a água?

Também era preocupação da FUNASA, no entanto os recursos seriam insuficientes para abastecer toda a população indígena do estado. Estava bem encaminhado um projeto para Dourados no valor aproximado de R$ 1,5 mi . O ministro das Cidades Olívio Dutra, em audiência com o prefeito Tetila em 3 de março, encaminhara bem a questão. Por seu lado a FUNASA também encaminhava muito bem o abastecimento de água em Amambaí.

A UNICEF insistia, corretamente, que todas as aldeias deveriam receber água tratada. A FUNASA concordava, mas não tinha todo o recurso. A Prefeitura de Dourados, por sua vez, demonstrava que não bastava atender apenas Dourados por ter sido alvo da mídia, seria necessária uma ação conjunta para solucionar o problema de forma ampla, inclusive porque se uma reserva fosse privilegiada ela atrairia a migração dos parentes indígenas de outras localidades.

Nesse clima de discussão é que surgiu a idéia de uma reunião envolvendo as prefeituras da região, no dia 8 de abril, com a participação de várias outras instituições públicas e privadas que, de alguma forma,  participam de ações junto às comunidades indígenas.

 Dito e feito. Concluída a reunião do dia 8 registramos pelo menos quatro grandes avanços:

1)             A FUNASA estenderá a rede de água para atender a 100% da aldeia Bororó, em Dourados e 100% da reserva de Amambaí;

2)             A UNICEF lançará campanha nacional no próximo dia 13 para arrecadar recursos objetivando levar água potável a todos os índios do sul de Mato Grosso do Sul, com a utilização de caminhões pipa e caixas d’água residenciais ou coletivas;

3)             Todas as instituições presentes se comprometeram em ajudar de alguma forma: o exército, por exemplo, poderá instalar as caixas d’água, a SANESUL poderá proceder aos estudos geológicos, análise da qualidade da água e acompanhamento de projetos, as Universidades se fizeram presentes e ratificaram apoio, da mesma forma tantas outras entidades que costumeiramente apóiam projetos na área indígena,

4)             Esboçou-se a organização de uma rede de municípios com população indígena para discutir e elaborar ações conjuntas.

 

Foi grande o avanço. Semana que vem o prefeito Tetila convidará novamente as entidades que estiveram presentes para dar continuidade aos trabalhos, detalhando o que competirá a cada um fazer e, dessa forma, avançaremos ainda mais.

 Só lamentamos que essas ações, tão importantes, tenham sido ofuscadas por alguns dos presentes, inclusive indígenas, que preferiram continuar fazendo discursos criticando o não índio pela situação do índio, criticando a falta de terra, a falta de assistência à saúde, a falta de oportunidade de falar, a falta de consulta à comunidade indígena. Discursos, discursos, discursos... índios, antropólogos, historiadores, ONGs, prefeitos, deputados, vereadores, meios de comunicação. Tudo muito bem vindo. Da discussão surgem os caminhos, das críticas nascem as ações... No entanto é hora de realizarmos ações efetivas e coordenadas dentro das Reservas de Mato Grosso do Sul. As teses levantadas são importantes, mas estamos a nos perder no meio delas, precisamos de uma síntese.

Não bastasse a confusão que nós, não índios fazemos por estarmos cercados de tantas teses, observamos entre os índios uma profunda crise de liderança, uma crise de rumos

Nosso consolo é que das crises de liderança nasçam propostas inovadoras. A questão é complexa. Muito complexa. Nos próximos dias contribuiremos com algumas idéias que temos defendido em ambientes mais restritos. Gostaríamos, no entanto, de adiantar que não é mais suportável ficarmos ouvindo as mesmas propostas que são defendidas há trinta anos.

Preservar a cultura é uma coisa, querer manter os índios no mesmo estágio civilizatório de 500 anos atrás é outra, bem diferente. Penso que devemos começar por aí a discussão que pretendemos fazer.

                                                                                    www.biasotto.com.br

A reprodução do texto é permitida desde que citada a fonte.

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