Dívidas, dívidas e mais dívidas

O que é uma dívida? Aparentemente óbvia, essa pergunta requer uma série de reflexões, dada a existência de várias modalidades de dívidas. Quando, por exemplo, passamos o cartão de crédito, assumimos imediatamente uma dívida ou ela somente será efetivada se não efetuarmos o pagamento? Assim, da mesma forma, ao financiarmos algo, já temos a dívida ou ela será considerada apenas se não a pagarmos.

Em relação a pagamentos de tributos temos a mesma hipótese. São eles reconhecidos como dívidas desde que recebemos os carnês ou somente se os deixarmos de pagar?

Há quem defenda que só poderemos ser considerados endividados se atrasarmos prestações ou deixarmos de quitar impostos nas datas limite. Algumas dívidas são extintas com a nossa morte, isso, claro, se tivermos feito um seguro sobre ela, por exemplo, uma dívida contraída com o empréstimo consignado vem acompanhada do pagamento de um seguro, proporcional ao valor emprestado. Mas já existem dívidas que são hereditárias, principalmente a de impostos. No caso do IPTU e IPVA, por exemplo, eles podem estar em nosso nome, mas estão vinculados à casa e ao carro, se não pagarmos alguém haverá de fazê-lo. Pior são os impostos federais que, mesmo sem vinculação a bens móveis ou imóveis, passam de geração a geração.

Até então tratamos de dívidas financeiras, no entanto existem outras, mais perversas, ou seja, aquelas que produzimos escravizando, expropriando e marginalizando os nossos semelhantes.

Artigo do professor/doutor Alexandre Andrada, da Universidade de Brasília [UnB], nos mostra, com provas documentais robustas e clareza na exposição, porquê “O Brasil precisar acertar as contas com o passado”. Um passado em que os Negros trazidos da África, “as mãos e os pés do Brasil”, como disse Antonil, eram maltratados barbaramente, separados de suas famílias, torturados com instrumentos abomináveis e, enfim, libertados sem qualquer tipo de indenização.

O professor Andrada, em seu artigo, menciona a história de um personagem pouco conhecido na nossa história: Mohommah Baquaqua, “trazido para o Brasil em 1845 [quando] o tráfico de escravizados já era proibido desde 1830”. Tendo conseguido fugir para os Estados Unidos, escreveu a sua biografia [An interesting narrative. Biography of Mahommad G. Baquaqua], onde narra os horrores da escravidão, desde o embarque nos navios negreiros.

Trata-se de uma história ocultada por longos anos. Conhecemos melhor o livro, também trágico, do norte-americano Solomon Northup, “Doze Anos de Escravidão”, do que esse de Baquaqua. Mas nosso desconhecimento não apaga os efeitos da escravidão, muito bem resumido por Andrada: “a escravidão implica na desumanização completa do indivíduo. Perder o direito à religião e ao nome escolhido por seus antepassados é parte desse processo”.

Em relação à perda da religião realço que Mahommad é nome de origem árabe e a sua religião era a islâmica. Os árabes, antes mesmo de os portugueses conhecerem as costas africanas com as suas caravelas, já penetravam o continente por via terrestre, em busca do ouro das minas de Tombuctu. Por onde passavam iam propagando a fé islâmica, ou muçulmana.  Quanto a perda do nome, a série norte-americana de 1977, baseada no livro de Alex Haley, chamada “Raízes” demonstra a obstinação de Kunta Kinte, um jovem escravo levado da África para os Estados Unidos, que se recusava a ser rebatizado e tanto apanhou, tanto sofreu, que ao fim aceitou ser reconhecido como Tobe.

Não importa se os exemplos de mal tratos se referem ao Brasil ou aos Estados Unidos. Se tem uma pergunta que eu gostaria de ver respondida é: se todo cidadão tem que pagar as suas dívidas, sob pena de ter os seus bens penhorados, por que os governantes, sendo eles os promotores da harmonização social, não pagam as dívidas sociais que o país tem?

Nessa crônica deixei aflorar a ideia da dívida que os governantes brasileiros têm com os afrodescendentes, mas que dizer dos índios, dos pobres que foram expropriados e dos marginalizados? Ora, se as cotas e bolsas em geral não forem reconhecidas como sendo um pagamento, mesmo que insignificante da dívida social que o nosso país tem, então o que nos espera é a desigualdade, a injustiça, a falta de fraternidade e o sentimento de que não somos todos de uma mesma raça: a raça humana.

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Livros

As Fabulosas Histórias de Bepi Bipolar

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