As fuxiqueiras

Passávamos, minha mulher e eu, defronte a uma casa onde quatro mulheres sentadas à sombra da varanda faziam fuxico. Em uníssono responderam à “boa tarde” que lhes desejamos e convidaram Dona Helena para fazer fuxico com elas. Eu não sabia exatamente que fuxico faziam, por isso fiquei surpreso ao ver Helena entrar alegremente e interessar-se pelo trabalho daquelas mulheres.  Quanta destreza! Faziam trouxinhas em círculo, com pedaços de retalhos e iam juntando umas às outras formando uma linda colcha. E não é que Dona Helena comprou a colcha de fuxicos e me explicou direitinho a técnica centenária de fazer esse tipo de obra de arte?

Mas não me fiz de rogado. Já sei, disse eu, o fuxico nasceu do fuxico, quer dizer, ao sentarem-se em torno do trabalho para confeccionarem a colcha, as mulheres esgotavam todos os assuntos possíveis e imaginários e então passavam a fazer fofocas, que significa fuxico.

Pode ser, respondeu Dona Helena, pode ser, mas como nasceu o fuxico feito pelos homens, se eles não têm habilidades para fazer colchas de fuxico? Copiaram das mulheres, ou fazem fuxico sem ao menos se darem ao trabalho de fazerem uma peça artesanal?

Peguei a pesada colcha para leva-la até o carro e fiquei imaginando o porquê de as mulheres levarem fama de fuxiqueiras quando na verdade os homens, desde tempos Antigos espalharam fuxicos por todo lado. Na Grécia Antiga, no Império Romano, nos Reinos Medievais, as Cortes eram locais preferidos para a disseminação de fofocas, tão prejudiciais a ponto de abalarem até mesmo a estabilidade dos governantes.

Passa o tempo, sempre passando ligeiro, e os fuxicos para a confecção de colchas vão ficando cada vez mais raros, no entanto, aqueles, sinônimos de fofocas, intrigas e outras maldades, se aperfeiçoam. Não que deixem as rodas de amigos, mas avançam para as jornais e rádios. Ora, quem seria capaz de duvidar outrora das notícias do “Repórter Esso”, da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, ou de um dos grandes jornais do Brasil? Quem poderia imaginar que rádios e jornais pudessem se colocar a serviço de ideologias ou de programas governamentais, por convicção ou suborno. Muito se fala da corrupção nos três poderes da República, mas pouco se sabe sobre os jabás da imprensa. Então dê-lhe deturpação de acontecimentos, de valorização de alguns em detrimento de outros, em jornalismo de mão única, descumprindo-se a máxima de que o bom jornalismo deve ouvir as partes e não ficar restrito apenas a um determinado viés.

Não bastasse ingressar no seio do jornalismo, o fuxico continuou avançando e atingiu as redes de televisão, depois as redes sociais. Agora somos todos jornalistas, radialistas, comentaristas e, conscientes ou inconscientemente, difusores das chamadas Fake News. Como diria minha avó, são tempos de se comer gato por lebre. Quantos perfis falsos, quantas postagens que aparentam ser a mais pura verdade, quantos fuxicos. Crianças, jovens, adultos, políticos de todas as esferas podem viralizar as suas postagens na Internet, com verniz de autenticidade, mesmo que sejam falsas. 

Dia desses uma amiga do FACE, notando que eu estava postando pouco, perguntou-me in box, se a minha saúde estava boa. Respondi-lhe que sim, minha ausência nas redes dava-se por estar um tanto desanimado com o resultado de postagens e que, às vezes, dedicava um dia inteiro pesquisando para escrever uma crônica e, ao invés de críticas substanciadas, demonstrando falhas em minha análise ou mesmo complementações, na maioria das postagens apareciam ofensas que nada tinham a ver com o assunto em pauta. A busca pela verdade, que nos historiadores presamos tanto, banaliza-se. 

Mas o desânimo deve ser passageiro. Acreditar é preciso. Resistir é necessário. Escrever e tornar pública a nossa maneira de pensar é contribuir para com a formação de massa crítica, é disponibilizar argumentos para a reflexão. Quando escrevemos ou falamos diante de um microfone estamos formando opinião, significa dizer que a nossa responsabilidade é grande, cada palavra, cada frase, tem um peso imenso que nem sequer conseguimos mensurar depois que se torna pública. Deixemos, pois, os fuxicos apenas para as artesãs fabricarem as suas lindas colchas de retalhos.

Crônica publicada em “O Progresso”, 27/03/2019.

A reprodução do texto é permitida desde que citada a fonte.

Voltar

Livros

As Fabulosas Histórias de Bepi Bipolar

Ser convidada para escrever o prefácio deste livro de literatura
foi realmente muito gratificante e a deferência a mim concedida
pelo amigo, historiador e escritor Wilson Valentin Biasotto foi
recebida com surpresa e alegria

Abrir arquivo

2010: O ANO QUE NÃO ACABOU PARA DOURADOS

A obra ora apresentada é uma coletânea de crônicas publicadas em diversos meios de comunicação no ano de 2010. Falam, sempre com elegância e fluidez, de nossas vidas, de acontecimentos e de possíveis eventos em nosso país, especialmente em nosso município.

Abrir arquivo

MEDIEVO PORTUGUES: O REI COMO FONTE DE JUSTIÇA NAS CRÔNICAS DE FERNÃO LOPES

Nossa preocupação, nesse trabalho, foi a de estudar o comportamento dos reis, no que concerne à aplicação da Justiça, baseados nas crônicas de Fernão Lopes.

Abrir arquivo

Crônicas: Educação, Cultura e Sociedade

O livro ora apresentado é um apanhado de 104 crônicas, algumas de 1978 e a maioria escrita a partir de 1995 até a presente data. O tema Educação compõe-se de 56 crônicas, outras 16 são relatos descrevendo fábulas ou estórias oriundas da cultura italiana, e os emas Cultura e Sociedade compreendem, cada um, 16 crônicas.

Abrir arquivo

Crônicas: globalização, neoliberalismo e política

Esta obra foi editada em 2011 pela Editora da UFGD e reune 99 crônicas escritas principalmente nos últimos quinze anos, versando sobre a globalização, o neoliberalismo e política

Abrir arquivo

[2009] EDIFICANDO A NOSSA CIDADE EDUCADORA

Esse trabalho tem três objetivos principais, cada qual contemplado em uma das três partes do livro, como se verá adiante. O primeiro é oferecer ao leitor algumas reflexões sobre temas que ocupam o nosso dia-a-dia; o segundo é divulgar os vinte princípios das Cidades Educadoras e, finalmente o terceiro, é tornar público o projeto que nos orienta na transformação de Dourados em uma Cidade Educadora e mostrar os primeiros passos para a operacionalização desse projeto.

Abrir arquivo

[1998] Até aqui o Laquicho vai bem: os causos de Liberato Leite de Farias

Ao refletir sobre a importância do contador de causos/narrador para a preservação da cultura, percebe-se que cada vez menos pessoas sabem como contar/narrar, com a devida competência, as experiências do cotidiano. Por quê? Para Walter Benjamin, as ações motivadoras das experiências humanas são as mais baixas e aterradoras possíveis em tempos de barbárie; as nossas experiências acabam parecendo pequenas ou insignificantes diante da miséria e da fragmentação humana, numa constatação que extrapola os espaços nacionais.

Abrir arquivo

[1991] O MOVIMENTO REIVINDICATÓRIO DO MAGISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL: 1978 - 1988

Momentos de grandes mobilizações têm teito do professorado de Mato do Sul a vanguarda do movimento sindicalista deste Estado. Este fato motivou a realização deste trabalho, que teve como proposta inicial analisar criticamente o movimento reivindicatóno do magistério de Mato Grosso do Sul, na perspectiva de revelar-lhe, tanto quanto possível, o perlil de luta, ao longo de sua palpitante trajetória em busca de melhorias salariais, estabilidade empregatícia e melhoria da qualidade do ensino.

Abrir arquivo

Contato

Informações de Contato

biasotto@biasotto.com.br