A rapaziada de volta para a roça

Duas grandes movimentações na cidade de Dourados são a volta às aulas e as colheitas. Tanto o início das aulas nos Centros de Educação Infantil quanto no ensino fundamental e Médio movimentam a cidade, mas quando as Universidades entram em ação, a percepção de que o tráfego aumenta é ainda maior. É que chegam alunos de toda parte do Brasil. Mas deixemos essa movimentação e as suas consequências tão benéficas para outra ocasião. Falemos agora das colheitas.

Quando menino tendo o tio Brasilino [tio Quito], na boleia, ele me deixava ter a impressão de que era eu quem tangia os bois. Assim a gente ia aprendendo sem perceber. Levávamos o café do Sítio do vô Luís [Santa Elvira], no
Bairro da Cabeceira para a máquina de benefício em Borborema. Na volta trazíamos a palha do café, único adubo que se usava àquela época. Eita! mundão, quando meu tio avô, o Bepi, comprou um caminhãozinho a rapaziada o instigava a correr: “vai tio, pega 60”. Bom, o tio puxava o café da Fazenda do nono Felice, e a rapaziada disputava para ver quem conseguia carregar, na cabeça, dois sacos de 60 quilos cada. Loucura, hoje as Ciências da Saúde recomendam que se carregue no máximo 25 quilos para não afetar a coluna. Bem, tenho que abrir um parêntese para dizer que as multinacionais já estão colocando no mercado saquinhos de 16 quilos de semente de milho. Imagino [ironicamente é claro] que seja para proteger a coluna dos trabalhadores, afinal quem tiver com 65 anos de idade, portanto perto da aposentadoria, não poderá reclamar.

Voltando aos carros de bois. O transporte era precário, na década de 1950/60, e as colheitas eram manuais. Para o preparo da terra usava-se tombadores, depois niveladoras [plaineis] puxados por burros ou bois e manuseados por um trabalhador que tinha que seguir o passo dos animais, nada lentos. No plantio a grande invenção era a matraca, uma ferramenta que, manuseada por um trabalhador, lançava ao solo as sementes, tanto do arroz quanto do milho, a espaço de um passo do semeador.

Na colheita, o arroz era cortado com ferrinhos apropriados, a maior parte importados da Europa, depois era levado no ombro até um batedouro [que consistia em um estrado].  O processo era todo manual, exceto o transporte que tinha o auxílio de uma carroça puxada por burro, ou cavalo. Quanto ao milho, o processo de colheita era ainda mais trabalhoso. Quando seco, primeiro quebrava-se o talo, de modo que as espigas ficassem com as pontas viradas para baixo, portanto salvaguardadas das chuvas, que escorriam pela palha, ao invés de penetrar pela espiga adentro e afetar os grãos. Depois vinha a colheita, espiga por espiga, amontoadas, colocadas a seguir em balaio e, depois, na carroça.

Para não aborrecer o leitor nem falo do pilão, do torrador e do moinho de café. Vamos à alegria da colheita atual. Caminhonetes e pick-ups cortam as estradas vicinais do município em velocidade alheia àqueles tempos sossegados dos carros de bois. Caminhões já vão se tornando obsoletos. Agora a moda são os chamados bi trens, que transportam 48 mil quilos sem se incomodarem com o asfalto, feito para suportar menos peso por eixo.  

Ah! Rabelais, que teria você pensado ao criar Gargantua e seu filho Pantagruel, capazes de devorar o que nenhum gigante àquela época conseguiria? Não creio que imaginasse uma colhedeira engolindo dois, três mil sacos de soja em um dia.

As atuais colhedeiras são de tecnologia avançada e tão caras que os seus proprietários não se arriscam deixá-las aos cuidados dos antigos funcionários. Um simples chip pode custar 10 mil reais. Por outro lado, são confortáveis, diria que até mais do que um carrão dos anos de 1970. Então, por enquanto, pode-se colher usando paletó e gravata, mas logo, com controle remoto e auxílio de drones bastara um short e uma camiseta regata para que plantio e a colheita sejam feitas.

Por tudo isso, filhos e netos daquela rapaziada dos anos de 1950/60 que migrava do campo para a cidade, hoje estão voltando para a roça.  

Desempregam agricultores arcaicos, geram o que eu chamaria de desemprego estrutural, mas os povos do mundo precisam comer. Adeus Thomas Malthus, a genética ainda vai produzir coisas inacreditáveis e restará o Mar, a Lua, Marte... Talvez nos faltem governos.

A reprodução do texto é permitida desde que citada a fonte.

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Livros

As Fabulosas Histórias de Bepi Bipolar

Ser convidada para escrever o prefácio deste livro de literatura
foi realmente muito gratificante e a deferência a mim concedida
pelo amigo, historiador e escritor Wilson Valentin Biasotto foi
recebida com surpresa e alegria

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2010: O ANO QUE NÃO ACABOU PARA DOURADOS

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Nossa preocupação, nesse trabalho, foi a de estudar o comportamento dos reis, no que concerne à aplicação da Justiça, baseados nas crônicas de Fernão Lopes.

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Crônicas: Educação, Cultura e Sociedade

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Crônicas: globalização, neoliberalismo e política

Esta obra foi editada em 2011 pela Editora da UFGD e reune 99 crônicas escritas principalmente nos últimos quinze anos, versando sobre a globalização, o neoliberalismo e política

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