O Estado pós-democrático

É atribuída ao rei Salomão a expressão “não há nada de novo sob o sol”. Do alto de sua sabedoria não creio que ele tenha de fato proferido tal sentença, mas se o fez é porque não imaginava à sua época a velocidade das transformações que ocorrem atualmente. Sempre há algo de novo, não somente sob o sol, mas também além do sol. No campo das ciências sociais, por exemplo, estamos vivenciando o estabelecimento do que se convencionou chamar “estado pós-democrático”, título do livro do professor e juiz de direito Rubens Casara.

Velhos e bons tempos aqueles quando Abraham Lincoln definiu democracia como sendo “o governo do povo, pelo povo e para o povo”, atualmente vivemos a era dos pós: pós-moderno, pós-verdade, pós-impressionismo, pós-significado e, agora, pós-democracia. Não se trata exatamente do fim da democracia, mas a mudança do seu significado. A definição tão bem sintetizada de Lincoln para o termo perdeu o sentido, o povo deixou de ser sujeito de sua própria história para se tornar em elemento até mesmo indesejável. Nesse ponto entra a pós-verdade, não propriamente uma mentira, mas uma simulação de que o povo não é indesejável, mas sim necessário [deu diria útil]. Difícil desvelar, mas não impossível. Bastaria retirar-se a obrigatoriedade do voto para se ter a certeza de que o próprio povo, em sua maioria, se absteria de votar por considerar a sua participação na democracia plenamente dispensável, justamente por entender que o seu voto, expressão de seus anseios, não será correspondido. Desiludido, o eleitor já não crê que o seu candidato vá representa-lo, mas que representará os interesses do mercado.

O livro de Casara nos leva a entender não apenas o que seja a pós-democracia como também o porquê de sua existência. “A pós-democracia [...] caracteriza-se pela transformação de toda prática humana em mercadoria, pela mutação simbólica através da qual todos os valores perdem importância e passam a ser tratados como mercadorias, portanto disponíveis para uso e gozo seletivo”.

O sistema que provoca essa transformação na democracia é o neoliberalismo, ou seja, a radicalização do liberalismo econômico, o ultra liberalismo.  É sabido que o neoliberalismo dispensa a democracia, haja vista a sua aplicação no Chile durante a sangrenta ditadura do general Pinochet que liberalizou a economia, provocando elevada concentração de renda em mãos dos ricos, utilizando-se da repressão. Mas como esse modelo sangrento, implantado também no Brasil, Uruguai e Argentina esgotou-se, veio a pós-democracia.

No Brasil a pós-democracia assenta-se em um Estado Mínimo no que diz respeito à ordem econômica e, ao contrário, em um Estado poderoso para garantir privilégios seletivos. Em relação ao Judiciário, diz o juiz Casara que “O Poder Judiciário na pós-democracia deixa de ser o garantidor dos direitos fundamentais [...] para assumir a função política de regulador das expectativas dos consumidores. Por um lado, a pós-democracia induz à produção massificada de decisões judiciais, a partir do uso de modelos padronizados, chavões argumentativos e discursos de fundamentação prévia, tudo como forma de aumentar a produtividade, agradar parcela dos consumidores, exercer o controle social da população, facilitar a acumulação e proteger o mercado. De outro, o Poder Judiciário passa a gerir/dirigir julgamentos que passam a seguir a lógica própria aos espetáculos, que agradam aos espectadores (também consumidores) do sistema de justiça”.

Essa definição, por um juiz de direito nos leva a crer que o Judiciário se encontra dividido entre aqueles que observam a Constituição e as Leis gerais [garantidoras dos direitos fundamentais] e os que preferem optar por novas alternativas, como o “domínio do fato” e as “convicções”. Sem contar com o absurdo “princípio da colegialidade”, ou seja, mesmo que o Supremo tenha tomado uma decisão inconstitucional [como a proferida em 2016 sobre condenação em segunda instância] uma ministra argumenta que a decisão do colegiado é superior à própria Constituição que, em seu artigo 5º, parágrafo LVII determina que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

O livro de Casara é complexo, difícil resenha-lo em uma crônica, mas fica ao menos a instigação para o tema.

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