Fragmentos de uma carta enviada ao presidente Lula (e, na sequência, o inteiro teor da carta)

Presidente Lula,

Me disseram: “você defende tanto o Lula, por que não vai lá com ele? ”. Ressalvada a sua estatura como homem público, creio que durante toda a minha vida estive com você, seja no trabalho pela subsistência, pelas ideias que comungamos, nas injustiças que sofremos, nas lutas sindicais e por não renegarmos a nossa origem e lutarmos pelos nossos iguais.

Estamos juntos, como também estão com você todos os que alimentam a esperança e lutam por uma sociedade mais justa, mais fraterna e mais igual.

 Pessoalmente também nos encontramos várias vezes. Três merecem destaque:

1ª - Em outubro de 2001, quando uma multidão o acompanhava em Dourados, intermediei a entrega do CD “Canto Caiuá”, que deve estar nas arcas, com outros presentes que você recebeu. Os índios de Dourados o têm em grande apreço, porque em seu governo foram construídas mil casas, estendida a rede de água por toda a Reserva e oferecidas bolsas para que saíssem da miséria.

2ª – Esse outro encontro foi hilário. Era Secretário de Governo de Dourados e fui representar o prefeito Tetila em uma cerimônia de lançamento de um de seus inúmeros programas educacionais. Acompanhou-me um professor que ficou incumbido de tirar algumas fotos. Ao terminar de cumprimentá-lo, o colega, constrangido, me informou que a sua câmera estava sem pilha. Chamei um fotógrafo profissional e pedi-lhe que me fotografasse cumprimentando-o. Corri para o outro lado do grupo e apertei-lhe novamente a mão. O senhor olhou para mim como quem diz “uai”! Mas vim com a foto, que me custou cinquentão.

3ª – A terceira lembrança de um encontro nosso é inesquecível. Foi em sua sala, no Palácio do Planalto. Estávamos, lá, o governador Zeca do PT, o senador Delcídio, o deputado João Grandão, o prefeito Tetila, o prof. Damião Duque de Farias e eu. Já tinha passado das 18 horas, mas o seu semblante não demonstrava cansaço. Brincou conosco, especialmente com o governador e, nesse encontro histórico, o senhor nos garantiu a criação da UFGD. Foi grande a nossa alegria, e eu aproveito esse ensejo para agradecer-lhe não somente pela UFGD, mas pelas dezoito Universidades que você criou, pelos Centros de Ensino Técnico e por ter recuperado as Universidades, promovendo o preenchimento de mais de 8 mil vagas e, por via de consequência, fortalecendo o ensino público, gratuito e de boa qualidade.

Por falar em Universidades, aproveito para agradecer-lhe também por todas as oportunidades que o senhor abriu para que os negros, os índios, os estudantes pobres, em geral, pudessem frequentar uma escola de nível superior. Se a nossa gente excluída tivesse tido oportunidades anteriores, talvez tivéssemos formado mais médicos, mais bacharéis e juízes com o olhar voltado para a proteção dos oprimidos.

Teríamos formado também mais cientistas sociais, filósofos e historiadores. Aliás, sou historiador, lá de Catanduva, onde você ouviu uma menina reproduzir a frase de Che Guevara [repetida em seu pronunciamento de 7 de abril deste ano] que “os poderosos podem matar uma, duas, três rosas, mas não impedirão a primavera”.

Mas, presidente Lula, depois da graduação, especializei-me em História do Brasil em Ribeirão Preto, a Califórnia brasileira, cidade que me inspirou a defender a ideia da UFGD desde o início dos anos de 1980. Na Universidade de São Paulo, fiz o mestrado e o doutorado em História Social, o que me possibilitou uma visão ampla da história. Falo de meus estudos não por soberba, mas porque eles me credenciaram também a reconhecer no senhor um dos mais respeitados intelectuais e estadista brasileiro.

No meu caso, a soma de minha origem com os meus estudos é que fizeram de mim um pensador de esquerda, no seu caso também. Muitos não sabem, mas a economista Maria da Conceição Tavares revelou que o senhor passava os finais de semana em São Paulo, participando de seminários com os mais conceituados intelectuais brasileiros. Significa dizer, juntou a sua origem com os seus estudos e se transformou no melhor presidente que o Brasil já conheceu.

Resistiremos. Força! Lembre-se de B. Wotton, citado por Suplicy: "é dos campeões do impossível muito mais do que dos escravos do possível que a evolução emana a sua força criadora" [ carta completa in: www.biasotto.com.br ].

 

 

 

Exmo. Presidente Lula,

 

Tomei conhecimento de que você gostaria de ler cartas de seus amigos, enquanto não for feita justiça e estiver cerceado de sua liberdade. Eis a minha.

Alguém me perguntou: “já que você defende tanto o Lula, por que não vai lá com ele? ”.

Bem, se o Moro não deixa nem governadores entrarem para visita-lo como poderia eu estar aí presente? Se não me faço presente fisicamente, creio que durante toda a minha vida estive com você, seja no sofrimento da nossa luta pela subsistência, seja pelas ideias que comungamos, nas injustiças que sofremos, nas nossas lutas sindicais e também pela nossa coerência em não renegarmos o nosso passado e termos consciência de nossa origem e lutarmos pelos nossos iguais.

Sempre estive com você, mas nunca foi tanto quanto nesse momento tão difícil, estamos juntos assim como também estão consigo todos os que alimentam a esperança e a luta por uma sociedade mais justa, mais fraterna e mais igual.

Pessoalmente, também tive várias oportunidades de estar com você. Três merecem destaque:

  1. Na segunda vez que você esteve em Dourados, em outubro de 2001 e uma multidão o acompanhou pela avenida Marcelino Pires até o palco onde discursou, fui intermediário da entrega de um CD “Canto Caiuá”, que deve estar nas arcas com os milhares de presentes que recebeu de um povo agradecido pelo seu trabalho. Os índios de Dourados sempre lhe foram gratos, pois a partir de você houve uma substancial melhoria em suas vidas. Seu ministro das Cidades, Olívio Dutra, autorizou a construção de mil casas na Reserva Francisco Horta e a Funai distribuiu água potável para toda a população que, àquela época, tinha suas crianças morrendo por falta de saneamento básico. Atualmente, os índios voltaram a sofrer bastante. Seu retorno à presidência significará para eles um avanço ainda muito maior do que receberam durante o seu governo passado.
  2. Essa minha segunda lembrança de um encontro com você foi hilária. Eu era Secretário de Governo em Dourados, na administração Tetila [lembra-se dele? Aquele que você conheceu aqui mesmo em Dourados [em 1995 se não me falha a memória] quando ele era vereador e você se admirou dele doar todo o seu salário de vereador para a construção do partido] e fui à Brasília para um dos inúmeros programas educacionais que você realizou. Acompanhava-me um colega professor, da Secretaria Municipal de Educação, encarregado de tirar umas fotos. Terminado o ato você desceu para, como era de seu costume, cumprimentar os presentes. E lá fui eu apertar-lhe a mão: “Presidente o Tetila lá de Dourados mandou-lhe um abraço”. Eis que o meu colega, constrangido, comunica-me que a sua máquina estava sem pilha. Apelei para um desses fotógrafos que ficam à disposição no Palácio e pedi-lhe que me fotografasse cumprimentando-o. Corri para o outro lado da aglomeração, aguardei a sua chegada e o cumprimentei novamente. Você, bom fisionomista que é reconheceu-me, mas cumprimentou-me outra vez e eu paguei cinquentão por uma foto com você.
  3. A terceira lembrança de um encontro pessoal com você é inesquecível. Foi em sua sala, lá no Palácio do Planalto. Uma sala enorme, majestosa, digna de recepcionar quaisquer autoridades internacionais. Mas lá estávamos, o governador Zeca do PT, o senador Delcídio do Amaral, o deputado João Grandão, o prefeito Tetila, o prof. Damião Duque de Farias e eu. Já tinha passado das 18 horas, mas o seu semblante não demonstrava cansaço. Brincou conosco, especialmente com o governador e, nesse encontro histórico você nos garantiu a criação da UFGD. Foi grande a nossa alegria e eu aproveito esse ensejo para agradecer-lhe não somente pela UFGD, mas pelas dezoito Universidades que você criou, pelos Centros de Ensino Técnico criados em seu governo. Agradeço-lhe por ter recuperado as Universidades brasileiras que haviam sido sucateadas pelo seu antecessor, promovendo o preenchimento de mais de 8 mil vagas docentes e, por via de consequência, fortalecendo o ensino público, gratuito e de boa qualidade.

 

Pois é, presidente após a sua prisão [7/04/2018], a Universidade Nacional de Rosário, em 9/04/2018, concedeu-lhe o título de Doutor Honoris Causa. Já até perdi a conta de quantas Universidades lhe concederam essa honraria, mas eu, particularmente gostaria que todas as Universidades que você criou lhe concedessem essa homenagem, principalmente a UFGD, pois dessa participei ativamente.

Mas, por falar em Universidades, aproveito para agradecer-lhe também por todas as oportunidades que você abriu para que os negros, os índios, os estudantes pobres em geral, pudessem frequentar uma escola de nível superior. Se a nossa gente excluída tivesse tido oportunidades anteriores talvez tivéssemos formado mais médicos generalistas, mais bacharéis, mais juízes com o olhar voltado para a proteção dos oprimidos.

Teríamos formado também mais cientistas sociais, filósofos e historiadores. Aliás, sou historiador, graduado na FAFICA [Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Catanduva]. Isso mesmo, lá de Catanduva, onde você ouviu uma menina citando Che Guevara e que você repetiu em seu pronunciamento de 7 de abril de 2018. Lembra-se? “Os poderosos podem matar uma, duas, três rosas, mas não impedirão a primavera”.

Depois da graduação fiz uma especialização em Ribeirão Preto. Ribeirão era tida nesse ano de 1972 como a Califórnia brasileira. Tinha à época quatro universidades e foi o que me inspirou para formular a ideia da UFGD [a partir do início dos anos de 1980] pois eu dizia, se Ribeirão é a Califórnia brasileira, Dourados será a Ribeirão Preto do Centro Oeste.

Na Universidade de São Paulo, fiz o mestrado e o doutorado em História Social, o que me possibilitou uma visão ampla da história. Falo de meus estudos não por soberba, mas porque eles me credenciaram também a reconhecer em você um dos mais respeitados intelectuais e estadista brasileiro. Em 2002 escrevi sobre isso e transcrevo abaixo um dos meus textos sobre o assunto, com o título “Lula, intelectual e estadista:

 

“Em artigo publicado em março deste ano demonstrei que Lula é um intelectual. Além de uma série de argumentações que utilizei para confirmar a minha tese, recorri a uma citação de Darci Ribeiro feita no ano de 83  defronte a Igreja Catedral de Dourados e reproduzida no livro de Laerte Tetila, sobre Marçal de Souza: Nessa oportunidade Darci Ribeiro participou de um ato público pela investigação da morte de Marçal afirmou, referindo-se ao índio dos lábios de mel que "o intelectual não precisa escrever livro nenhum, o intelectual é o homem que é o espelho do seu povo, a voz dos oprimidos".

A minha defesa de Lula como intelectual não obteve unanimidade entre os leitores. Um colega vereador, em tom de deboche, chegou inclusive a pedir que o artigo fosse registrado nos Anais da Câmara.

Hoje, não somente reitero a minha posição, de que Lula é um intelectual, como vou além, ouso expor a minha convicção de que ele não será apenas mais um presidente, será um estadista, ou seja, terá uma atuação notável que extrapolará os padrões normais.

Claro que a minha posição é mais uma convicção íntima do que uma comprovação científica. Mas essa minha convicção pode perfeitamente se converter em realidade, não só pelo que Lula é mas pelas circunstâncias atuais. Quero dizer que o homem, público ou não, não obstante seja agente da história é também condicionado pelas circunstâncias históricas do momento em que vive.

Lula é um líder mundialmente reconhecido tanto pela sua participação sindical como pela sua ação política. Na organização do novo sindicato brasileiro, nas greves do ABC, na luta contra a ditadura militar brasileira, na criação e consolidação do Partido dos Trabalhadores, foi que se forjou essa liderança. Uma liderança que, ao contrário de se tornar arrogante, permaneceu humilde. Lula continua ligado à sua origem e com uma impressionante capacidade de estar sintonizado com os anseios de seu povo.

Homem sofrido, derrotado diversas vezes nas urnas, Lula jamais substituiu a esperança pelo rancor. Por isso tornou-se querido, carismático. Quando esteve em Dourados, em outubro passado, a exemplo do que ocorria em todo o Brasil, teve uma acolhida tão calorosa que cheguei a temer que o povo brasileiro estivesse criando um mito, ao invés de um presidente.

Lula está preparado, maduro, pronto para assumir a presidência.

As circunstâncias também o favorecem, principalmente porque o neoliberalismo imposto ao mundo pelo chamado Consenso de Washington se transformou em um estrondoso fracasso, especialmente no que diz respeito a queda vertiginosa do índice de qualidade de vida do cidadão. E, se com a política neoliberal sofreram os brasileiros, muito mais se desgastaram nossos vizinhos sul americanos. Econômica e socialmente arrebentados, mais que o Brasil, nossos irmãos latino-americanos têm no governo Lula a expectativa de reconstrução do Mercosul, que nos daria um certo alento para negociarmos mais firmemente com os nossos exploradores históricos.

No âmbito interno temos um terço da população marginalizada, que pode ser inserida no mercado consumidor por via de uma reforma agrária pacificamente negociada, com a implementação de uma política agrícola para o país e com o fortalecimento da indústria nacional que, por via de consequência trará a geração de milhões de empregos (talvez dez milhões).

Fernando Henrique Cardoso talvez até pudesse ter sido o estadista que desejo que Lula seja. Não foi. Embora culto, instruído, bem preparado do ponto de vista intelectual foi o presidente do possível. Lula deverá ser o presidente do impossível. Tenhamos em mente o ensinamento de B. Wotton, que nos foi repassado por Eduardo Suplicy em sua obra Renda de Cidadania: "é dos campeões do impossível muito mais do que dos escravos do possível que a evolução emana a sua força criadora" (p.109).

Que assim seja! ”

 

Hehe, caro presidente Lula, isso aí escrevi em 2002.

Bem, já lhe disse acima que sou historiador. Passei a maior parte de minha vida estudando a História. Hoje, com 70 anos completos, pergunto-me se foi a História ou se foi a minha origem camponesa que fez de mim um cidadão de esquerda? Meus ancestrais vieram da Itália para a roça, sou oriundo de uma família que sempre trabalhou muito e usufruiu pouco das riquezas que produziu para o Brasil, mas era uma família com sólidos princípios humanitários. Na história aprendi que os trabalhadores sempre foram vítimas de classes dominantes que os subjugavam e ainda subjugam.

Da mesma forma, gostaria de perguntar-lhe se foi a sua origem ou os seus estudos que fizeram de si o presidente que mais fez pelos pobres?

A sua origem já é conhecida, mas os seus estudos não. Maria da Conceição Tavares em uma entrevista revelou-nos que você passava finais de semanas em São Paulo, discutindo temas e aprendendo com os mais conceituados mestres brasileiros.

Muita gente que conheço pessoalmente nasceu pobre ou remediada e depois conseguiu comprar um sítio, uma fazenda, construir uma pequena indústria, enfim, criar um negócio, alçando essas pessoas àquilo que chamamos de “classe média alta”. Pronto, pousam de burgueses. Ah! se você ainda não leu, não deixe de ler “O burguês fidalgo”, de Molliére. Você vai rir à solta. Claro à solta e solto, descansando para enfrentar mais uma campanha.

Sim, mais dizia de seus estudos. Só uma inteligência privilegiada como a sua poderia assimilar em fins de semana tanto conhecimento quanto acumulou. Ouso dizer que esse conhecimento teórico o fez pensar que deveria aproveita-lo para promover a gente de sua origem a um status melhor. Ou seja, sua origem lhe concedeu a vontade de ajudar os seus semelhantes e os seus estudos forneceram-lhe os meios. Seria isso?

Sabe, presidente, também tive sonho semelhante. Não de ser presidente da República, mas prefeito de Dourados. Faltou-me densidade eleitoral. Mas o interessante é que a minha humilde trajetória política deveu-se à minha caminhada sindical.

Os meus primeiros passos no aprendizado sindicalista se deu justamente com o Sindicato dos Metalúrgicos. Verdade, entre 1960 a 1965, quando completei 18 anos, trabalhava na Companhia Nacional de Energia Elétrica, em Catanduva. O Sindicato era atuante e nos entregava boletins informativos [eu diria formativos]. Mas veio o Golpe de 1964...

Mais tarde, enquanto você organizava os trabalhadores metalúrgicos de São Bernardo para a grande resistência ao Golpe, eu, aqui em Dourados participava na organização do magistério público, tendo sido o primeiro presidente do Sindicato em Dourados e primeiro vice-presidente da Federação dos Professores de Mato Grosso do Sul: era o “novo sindicalismo” surgindo lá em São Bernardo e também aqui em Dourados no Mato Grosso do Sul.

Provavelmente, por essa história é que eu me sinta confortável em reafirmar o seu apelo de que sejamos todos Lula.

Ou será que devo ser Lula por causa de meu pai. Sabe presidente, meu pai nasceu em uma das mais prósperas fazendas de café do oeste paulista, o seu avô tinha simplesmente 80 mil pés, mas a crise de 1930 e outras subsequentes deixaram os seus herdeiros com pequenos sítios, produtores braçais. E, como as famílias eram numerosas, os filhos que iam se casando tinham que mudar para a cidade, onde enfrentavam o desconhecido, sendo bem-ditas as palavras de Chico Buarque em “Os Saltimbancos” que “a cidade é uma estranha senhora que hoje lhe sorri, amanhã lhe devora”.

Meus pais foram devorados pela cidade, tiveram que se adaptar a serviços pesados, a pobreza bateu em nossa porta. Minha mãe, uma guerreira, tudo o que fazia era pensando em estudar os dois filhos. Trabalhava em casa, trabalhava fora, costurava, era uma dessas pessoas que não pensam em si, mas nos filhos. Meu pai, pouco a pouco foi perdendo o que tinha juntado com a venda de suas vaquinhas e acabou, depois de muito sofrimento, tornando-se pedreiro e carpinteiro de modo que, com muita dificuldade, ganhava o sustento da família. Conto-lhe essas coisas, porque ele nos dizia [a mim e ao meu irmão] que quando a gente se formasse teríamos oportunidade de lhe dar uma cerveja nos fins de tarde.

Lembra-se, presidente, que você dizia que todo o brasileiro devia ter o direito a uma cerveja no fim da tarde? Pois é. Esse era um desejo de consumo de milhões de brasileiros pobres que tinham na cerveja uma metáfora significativa, a cerveja àquela época era uma espécie de símbolo de dignidade para o trabalhador, uma espécie de símbolo social.

Você percebeu, muito bem presidente, que o povo trabalhador não quer muito. Uma cerveja no fim da tarde. Um pouco mais, afinal o que é ter uma casa, um emprego com salário digno, uma aposentadoria garantida na velhice?  

Para realizar essas coisas você botou o Estado para induzir o desenvolvimento e gerar riqueza. Você desenvolveu a indústria naval, construiu casas e hidrelétricas, valorizou a descoberta do pré-sal e direcionou os royalties dessa riqueza para a educação e para a saúde. Criou programas sociais que deram condições ao povo de ir às compras e, por via de consequência, alimentar a indústria. A elite econômica, os rentistas, sempre subservientes ao capital não perceberam esse viés. 

No âmbito internacional você desenvolveu o soft power e conseguiu elevar o Brasil à condição de sexta potência econômica do mundo. Mais uma vez a elite econômica não percebeu coisa tão evidente, ao contrário, pelos seus arautos, a mídia conservadora, pregou que você estava investindo para ajudar países comunistas. Ora, quanta falácia.

Mas você, presidente Lula, foi conciliador e conseguiu dar muito aos pobres, não deixando de acrescentar também aos ricos. Talvez o seu grande erro tenha sido imaginar que a elite econômica brasileira tenha aprendido algo com o seu exemplo e passado a pensar em um Brasil soberano. A elite continuou subserviente aos interesses externos. Você também, talvez nunca tenha imaginado que a Mídia brasileira fosse tão desleal, não somente com você, mas com o Brasil.

E para não dizer que não falei sobre o futuro quero lhe dizer que o meu lema sempre foi “acreditar é preciso”. Não percamos a fé, deixe que o Fernando Hadad, um dos melhores ministros da educação que o Brasil já teve, continue a elaborar o seu planto de governo e que, inclusive, avance os estudos para federalizar o ensino médio, uma ideia extraordinária ao meu ver.

A federalização do ensino médio poderá criar as condições de ascensão que a minha geração, como um todo, não teve. Essa esperança talvez explique o porquê de um professor do interior do Brasil se meter a traçar paralelos entre a sua própria vida e a vida do presidente Lula. É que, assim como você foi exemplo para o mundo, eu fui exemplo para alguns de meus parentes. Lutei muito e com a ajuda de meus familiares consegui vencer obstáculos que pareciam intransponíveis. Agora, pensando bem, se nos tempos de minha adolescência tivéssemos um presidente como você, não teríamos só uns poucos, a exemplo meu e de meu irmão, conseguido estudar e melhorar de vida. Milhões e milhões de brasileiros teriam experimentado um futuro melhor. Isso mesmo, grande parte de jovens brasileiros ficaram para trás, não porque lhes faltasse vontade de trabalhar, mas porque faltou-lhes oportunidades. Milhões desses jovens, que hoje já idosos, vivem com minguado salário mínimo, poderiam ter ascendido socialmente e desenvolvido consciência crítica para poderem avaliar com clareza a conjuntura brasileira.

Não será fácil vencer a resistência interna e externa, mas jamais desistiremos. O temos como recuperar o tempo que passou, mas poderemos construir um futuro muito melhor. Para tanto contamos com a sua extraordinária capacidade e você poderá contar conosco.

Mas o seu futuro governo deve, em meu entendimento, pensar ainda maior. Propor a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte. Para tanto não basta a sua eleição, mas a compreensão de nosso povo de que devemos eleger deputados e senadores que pensem igual a você. Não vejo outro candidato à presidência que possa levar adiante tão ambicioso projeto que redefiniria as atribuições de cada poder. Bom, sobre isso falaremos adiante. Por ora temos mesmo é que soltar o grito de nossa garganta para promover a sua liberdade e caminharmos para as eleições de outubro, restabelecendo a democracia no Brasil.

Resistiremos. Força! Lembre-se de B. Wotton, citado por Suplicy: "é dos campeões do impossível muito mais do que dos escravos do possível que a evolução emana a sua força criadora"

Por fim quero dizer-lhe que desejo piamente que essa carta nem lhe chegue às mãos, porque você haverá de estar livre bem antes dela chegar e poder continuar, usando essa força tão impressionante que tem, a levar esperança para o nosso povo sofrido. [ carta completa in: www.biasotto.com.br ].

 

                                                        Dourados MS 12 de abril de 2018

 

                                                                      Wilson Valentim Biasotto

 

A reprodução do texto é permitida desde que citada a fonte.

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