Operação mãos dadas para sempre

Já que atualmente qualquer operação policial recebe um nome, também quero dar um nome especial à operação que se desenrola nessa crônica. Operação mãos dadas para sempre, como está no título, não me parece exato, pois cheira coisa de amor, sublime amor, quando na verdade o que desejo expressar trata-se de uma união de mãos espúrias. Talvez pudesse chama-la de “Operação uma mão lava a outra”, mas isso daria ideia de que as mãos lavadas ficariam limpas. Bem, a não ser que eu dissesse “uma mão lava a outra e as duas ferram o povo”. Aí estaria melhor, mas, como dar nomes a operações importantes em português, não parece ser o mais usual, tive a ideia de inverter o nome da operação italiana “mani puliti” (mãos limpas), e designar a operação dessa crônica de “mani sporche” (sporche mani – mãos sujas) ou mani dei ladri (mãos de ladrões).

Ufa, se os caros leitores tiveram a paciência de chegar até esse ponto dessa crônica, tenho a esperança de que irão até o final. Aliás, já presumo que os atentos leitores já sabem que estou referindo-me à atuação daquele rei usurpador que está atuando com todos os recursos que a arca do reino encerra, para retribuir ao auxílio prestimoso que, há pouco, um seu amigo de falcatruas lhe prestou. Ambos, de mãos dadas, unidos para sempre, tentam dia-a-dia, saírem do lamaçal em que estão afundados até o pescoço. O amigo foi importantíssimo na salvação do rei, cuja alcunha na boca do povo era “o ilegítimo”, quando uma denúncia apresentada o acusava de ladrão. Acusação com provas robustas, não apenas aquela coisa de “domínio do fato” ou “convicção”. Prova dessas que bota um portador de cinco gramas de droga na cadeia.  O amigo do rei havia mobilizado a corte o quanto pôde e salvara-o de perder a coroa e ir para atrás das grades. Embora a sua força já estivesse um tanto enfraquecida, porque sempre há olhos que enxergam, o ilegítimo usurpador foi salvo. Agora era chegada a hora de o rei estender a mão para o amigo em maus lençóis, ou melhor, sem lençol algum, atolado, isso sim, na lama.

O rei, como sabemos, pode não ser querido pelo povo, mas tem a chave da burra, ou seja, do cofre. Então, não somente estende as suas próprias mãos com também convoca os seus comparsas para ajuda-lo, formando-se assim uma fila numerosa. Lamentavelmente numerosa é ainda a fila constituída por aquelas mãos sujas, “mani dei ladri”.

Vez ou outra a fila se rompe. Mãos demasiadamente apodrecidas de tanto contar dinheiro imundo se rompem e no golpe que a fila sofre o amigo do rei volta ao ponto de partida. “Força”, grita alguém com voz de desespero. “Vamos, estamos todos no mesmo barco, quer dizer, na mesma lama”. Então, por força do medo, a fila daquela cleptocracia do reinado do mal se esforça e puxa forte. Mas, se por um lado as mãos apodrecidas se rompem, de outro, há de se considerar o peso do fardo a ser retirado da lama. É um fardo grande demais e pesado por acumular centenas de falcatruas.

De perto, mais em um ponto mais elevado, eticamente mais elevado, uma multidão assiste à cena. Silenciosa, fragilizada pelas pancadas recebidas por aquelas mesmas mãos que agora se unem para puxar da lama um de seus chefes. Aquela turma de mãos dadas, todos por um, sabe muito bem o quanto é pesaroso deixar o luxo e a riqueza para viver em uma cela fria. Mas, ainda pensa ser forte, tão forte que nem sequer olha para aquele povo que os observa. 

De repente, da multidão silente, a voz de um piedoso religioso se eleva para tentar salvar o homem enterrado na lama: “vamos salvar aquele pobre homem do lamaçal”. Imediatamente alguém não tão distante dele responde com força: “Não, vamos afundá-los todos”.

Fez-se novamente o silencio. Depois ouvia-se uma voz aqui, outra acolá. Vozes desencontradas, desencontradas vozes.  Vozes veladas pela ausência de consciência política daquela multidão.

Longo silêncio, até que a multidão foi se espalhando em grupos.  Grupos diversos. Alguns empunhavam cartazes.

Por sua vez a turma do rei insistia em retirar do atoleiro aquele que se desgraçara diante de tantas e tão descabidas falcatruas. Puxavam, com toda a força que possuíam, mas era pouca a força. A podridão já não estava apenas em suas mentes, mas também de seus músculos, em suas mãos, em seus dedos contadores de dinheiro sujo. 

A reprodução do texto é permitida desde que citada a fonte.

Voltar

Livros

As Fabulosas Histórias de Bepi Bipolar

Ser convidada para escrever o prefácio deste livro de literatura
foi realmente muito gratificante e a deferência a mim concedida
pelo amigo, historiador e escritor Wilson Valentin Biasotto foi
recebida com surpresa e alegria

Abrir arquivo

2010: O ANO QUE NÃO ACABOU PARA DOURADOS

A obra ora apresentada é uma coletânea de crônicas publicadas em diversos meios de comunicação no ano de 2010. Falam, sempre com elegância e fluidez, de nossas vidas, de acontecimentos e de possíveis eventos em nosso país, especialmente em nosso município.

Abrir arquivo

MEDIEVO PORTUGUES: O REI COMO FONTE DE JUSTIÇA NAS CRÔNICAS DE FERNÃO LOPES

Nossa preocupação, nesse trabalho, foi a de estudar o comportamento dos reis, no que concerne à aplicação da Justiça, baseados nas crônicas de Fernão Lopes.

Abrir arquivo

Crônicas: Educação, Cultura e Sociedade

O livro ora apresentado é um apanhado de 104 crônicas, algumas de 1978 e a maioria escrita a partir de 1995 até a presente data. O tema Educação compõe-se de 56 crônicas, outras 16 são relatos descrevendo fábulas ou estórias oriundas da cultura italiana, e os emas Cultura e Sociedade compreendem, cada um, 16 crônicas.

Abrir arquivo

Crônicas: globalização, neoliberalismo e política

Esta obra foi editada em 2011 pela Editora da UFGD e reune 99 crônicas escritas principalmente nos últimos quinze anos, versando sobre a globalização, o neoliberalismo e política

Abrir arquivo

[2009] EDIFICANDO A NOSSA CIDADE EDUCADORA

Esse trabalho tem três objetivos principais, cada qual contemplado em uma das três partes do livro, como se verá adiante. O primeiro é oferecer ao leitor algumas reflexões sobre temas que ocupam o nosso dia-a-dia; o segundo é divulgar os vinte princípios das Cidades Educadoras e, finalmente o terceiro, é tornar público o projeto que nos orienta na transformação de Dourados em uma Cidade Educadora e mostrar os primeiros passos para a operacionalização desse projeto.

Abrir arquivo

[1998] Até aqui o Laquicho vai bem: os causos de Liberato Leite de Farias

Ao refletir sobre a importância do contador de causos/narrador para a preservação da cultura, percebe-se que cada vez menos pessoas sabem como contar/narrar, com a devida competência, as experiências do cotidiano. Por quê? Para Walter Benjamin, as ações motivadoras das experiências humanas são as mais baixas e aterradoras possíveis em tempos de barbárie; as nossas experiências acabam parecendo pequenas ou insignificantes diante da miséria e da fragmentação humana, numa constatação que extrapola os espaços nacionais.

Abrir arquivo

[1991] O MOVIMENTO REIVINDICATÓRIO DO MAGISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL: 1978 - 1988

Momentos de grandes mobilizações têm teito do professorado de Mato do Sul a vanguarda do movimento sindicalista deste Estado. Este fato motivou a realização deste trabalho, que teve como proposta inicial analisar criticamente o movimento reivindicatóno do magistério de Mato Grosso do Sul, na perspectiva de revelar-lhe, tanto quanto possível, o perlil de luta, ao longo de sua palpitante trajetória em busca de melhorias salariais, estabilidade empregatícia e melhoria da qualidade do ensino.

Abrir arquivo

Contato

Informações de Contato

biasotto@biasotto.com.br