Passagem pela Reserva

O título não tem referência com a aposentadoria de algum militar, que não se aposenta jamais, vai para a reserva. Refiro-me à estrada que liga Dourados a Itaporã, ou vice-versa, que é uma passagem obrigatória entre essas duas cidades. Quantas e quantas pessoas passam por essa estrada, algumas todos os dias, outras esporadicamente. Mas enquanto cruzam a rodovia, o que deve se passar pela cabeça dos transeuntes?

Confesso que nem sempre, mas em algumas oportunidades, como hoje, por exemplo, passou-me pela mente a história desses nossos irmãos indígenas Guarani (Nhandevas Caiuás) e Terena. Claro que uma história pouco profunda.

O povo Guarani, confinado na Reserva Francisco Horta, vivia espalhado pelos ervais dessas terras, hoje sul-mato-grossenses, mas precisaram ceder lugar à expansão agrícola, empreendida na “Marcha para o Oeste”, planejada pelo governo de Getúlio Vargas, objetivando colonizar (e ocupar) as terras das fronteiras brasileiras do Oeste.

A princípio parece não ter havido revoltas, a mata generosa que tomava conta da Reserva dava-lhes subsistência, a vida era pobre e simples. O medo das onças que roçavam o corpo pelas cabanas de pau-a-pique foi passando à medida que eram mortas ou buscavam outro habitat por conta do desmatamento.

Os Terena foram trazidos de outras plagas pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), com o objetivo de “ensinar” o Guarani nos trabalhos de campo.

Com o passar do tempo a caça sumiu, o peixe já não havia mesmo, a mata acabou e nossos irmãos encontraram-se com a pobreza. Em 1974, quando cheguei em Dourados pude constatar a triste realidade. Dolorosa situação, imortalizada nos versos de Emmanuel Marinho: “Índia velha, te lembras...” e as crianças pedindo pão: “tem pão velho? Não criança, tem o pão que o diabo amassou, mas não tem pão velho”.

E a pobreza evoluiu para a miséria. Os suicídios indígenas na Reserva eram chocantes e envergonhavam-nos mundo a fora. Claro que ainda existiam aqueles que diziam que os índios eram indolentes.

Lembro-me de quando fui vereador que, inspirado pelo professor Jorge Eremites, fiz uma indicação para que os galhos das árvores podadas na cidade de Dourados, ao invés de serem triturados, como eram, fossem entregues tanto na Reserva Francisco Horta como no Panambizinho, onde os índios, beirando o desespero, acendiam o fogo com talos de quiabo.

Quando assumiu o prefeito Tetila, alinhado com Zeca do PT no Estado e com Lula no governo federal, houve significativo avanço nas condições de vida dos Guarani e Terena: Olívio Dutra, figura impoluta dos quadros petistas, então Ministro das Cidades, esteve em Dourados e chocado com a situação autorizou a construção de mil casas na Reserva. Eram casas pequenas, humildes, mas aliadas à construção de novas escolas e melhorias no ensino e à bolsa família e bolsa alimentação, ajudaram na recuperação da dignidade dos Índios.

Complementando as ações dos governos em âmbito nacional, estadual e municipal, a presença da UNICEF em Dourados também foi importante. A UNICEF distribuiu milhares de filtros de água para as famílias indígenas e contribuiu fundamentalmente para que a administração Tetila conseguisse junto à FUNASA a perfuração de poços e distribuição de água encanada para toda a Reserva.

Foram muitos os avanços, inclusive a criação, na UFGD, de uma Faculdade Intercultural Indígena, mas o espaço de uma crônica não me permite rebuscar outros avanços, portanto desejo finalizar dizendo que ainda há muita estrada para ser trilhada no sentido de que os índios sejam recompensados por todo o prejuízo que os não índios lhes causamos.

É hora, por exemplo, de se asfaltar ao menos as estradas principais da Reserva. Índio também, a exemplo, dos não índios, não querem só comida, querem casa, boas escolas, querem asfalto, centros de convivência para idosos, readaptação no mundo do trabalho.

E o preconceito? Misericórdia! Em pleno século 21, ainda há preconceito e discriminação, evidentemente por ignorância da história. Soubéssemos compreender melhor porquê a situação indígena tomou o rumo que tomou e teríamos atitudes diferentes.

Pior é ter consciência de que, na atual conjuntura, não haverá esperança de evoluirmos na melhoria das condições de vida dos indígenas. Essa política desastrada, de lesa-pátria de Temer, que só pensa em privatizar, em vender o nosso país, para salvar a própria pele, ao contrário de prestigiar os índios, desprestigia também todo o povo trabalhador brasileiro. 

A reprodução do texto é permitida desde que citada a fonte.

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Livros

As Fabulosas Histórias de Bepi Bipolar

Ser convidada para escrever o prefácio deste livro de literatura
foi realmente muito gratificante e a deferência a mim concedida
pelo amigo, historiador e escritor Wilson Valentin Biasotto foi
recebida com surpresa e alegria

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2010: O ANO QUE NÃO ACABOU PARA DOURADOS

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MEDIEVO PORTUGUES: O REI COMO FONTE DE JUSTIÇA NAS CRÔNICAS DE FERNÃO LOPES

Nossa preocupação, nesse trabalho, foi a de estudar o comportamento dos reis, no que concerne à aplicação da Justiça, baseados nas crônicas de Fernão Lopes.

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O livro ora apresentado é um apanhado de 104 crônicas, algumas de 1978 e a maioria escrita a partir de 1995 até a presente data. O tema Educação compõe-se de 56 crônicas, outras 16 são relatos descrevendo fábulas ou estórias oriundas da cultura italiana, e os emas Cultura e Sociedade compreendem, cada um, 16 crônicas.

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Crônicas: globalização, neoliberalismo e política

Esta obra foi editada em 2011 pela Editora da UFGD e reune 99 crônicas escritas principalmente nos últimos quinze anos, versando sobre a globalização, o neoliberalismo e política

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[2009] EDIFICANDO A NOSSA CIDADE EDUCADORA

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