Vov�, quer pastel? A pergunta que me fez pensar...

Como sempre ele entrou correndo em meu quarto de estudos e, também como de costume, encontrou-me à frente do computador. Desta vez não tentou me assustar e eu não precisei fingir-me assustado, nem me abraçou ou contou alguma novidade sobre a escola de onde viera. Misturava alegria e ansiedade. Sua pergunta alvoroçada fez-me entender que queria papel. Deveria estar pensando em algum desenho, ou tarefa, então apressei-me em estender-lhe duas folhas de papel sulfite.

- Pastel, vovô, não papel. Você quer pastel?

Saiu em desembalada carreira e eu o acompanhei até a varanda onde a vovó o esperava com o carro ligado. Ainda deu tempo para ouvi-lo dizendo que eu queria um pastel de carne. Não vou inquietar-me em saber se a iniciativa de me oferecer pastel foi dele ou da vovó, mesmo porque pouco tempo depois estávamos saboreando o delicioso pastel da feira.

Da feira! Será que elas subsistirão, ou serão encarceradas, como as conveniências de bebidas, que servem através de grades?

Mas, o que vale ressaltar é que esse relacionamento de vivacidade do neto com a desatenção, ou surdez do avô, me despertou a atenção para com a convivência transgeracional, a convivência praticamente diária entre quatro gerações em nossa própria casa. A bisavó (minha sogra que mora conosco), os avós (minha mulher e eu), nossos filhos e nossos netos, o menino João Pedro, com seis anos e a menina Luiza, com dois.

Quando estudei os tempos medievais aprendi que as mudanças comportamentais eram lentas, demasiadamente lentas, a sociedade se conformava com a existência das Três Ordens, a dos que guerreavam (a nobreza), a dos que oravam (o Clero) e a dos que trabalhavam (os servos da gleba). As mudanças nessa formação social somente se fizeram sentir a partir do início do século 14 com as revoltas camponesas na França (a Jacquerie) em 1358 e na Inglaterra em 1381, e só foram concluídas com a Revolução francesa, final do século 18 (1789). As mudanças passaram a ser um tanto mais rápidas.

Atualmente as mudanças são admiravelmente rápidas, vertiginosas. A bisavó foi, em sua juventude, do tempo em que a população brasileira era majoritariamente rural. Os campos eram arados com o auxílio de animais de tração e a maioria dos serviços, inclusive a manutenção de estradas, era feita à base de enxadas e enxadões. Se alguém adoecesse com alguma gravidade era levado à cidade no lombo de um cavalo ou no banco de uma carroça. Os avós já são do tempo do êxodo rural, ainda crianças foram para a cidade, mas raramente viam um carro passando pelas ruas, iam para a escola sozinhos e a pé. Tiveram dificuldades no aprendizado para guiarem veículos e ainda dificuldades maiores para serem usuários da Internet. Os filhos foram levados e buscados nas escolas (raramente vinham a pé), não tiveram dificuldades com o uso de carros e ingressaram com naturalidade na Era da informática. Os netos, bem, os netos voam. Acompanham sem admiração as mudanças, as invenções e as descobertas. Surpreendem-nos a cada momento com alguma novidade, o menino, com seis anos já tem o seu celular e consegue realizar jogos e usar o WhatsApp de forma que a bisavó nem consegue entender. A mais nova, com dois anos, ainda não tem o seu próprio celular e nem consegue as proezas do mais velho, embora já peça (ou exija?) aquilo que deseja comer e converse online com os avós maternos e tios que moram em outras cidades.

Bom, mas ainda comem pastéis. Ainda falam conosco, ao menos nas pausas entre a televisão e o celular, se bem que em breve as cordas vocálicas dos seres humanos poderão se transformar em órgão inútil, como o apêndice. Para que falar se é mais fácil a comunicação via celular? Aí, meu Deus, como não penso o futuro, para que celular se eles poderão se comunicar por telepatia em um futuro não muito distante?

Um pouco mais de tempo, talvez a geração dos filhos de nossos netos, não precisarão sequer de dentes para a mastigação, mais fácil ingerir uma pílula (como os astronautas), com as propriedades alimentícias necessárias para a sobrevivência e com sabores artificiais variadíssimos que darão ideia do sabor de um frango, um ovo ou o de uma leitora caipira.   

Hoje se pensa em colocar carros voadores no mercado, mas para que carros ou aviões, se os nossos tataranetos, ou seus filhos, poderão, quem sabe, se teletransportar de um lugar para outro no planeta Terra e, também, de um planeta para outro?

Ora, as várias religiões afirmam que existe vida após a morte e que, por via de consequência, a alma se movimenta no espaço, indo para o céu, para o inferno, ou (re)encarnando-se, então, por que não haveria uma evolução tamanha que o próprio corpo se transportasse? A força da mente, ainda pouco usada, poderia levar os nossos descendentes de um lugar para outro com tanta facilidade quanto se movimenta o mouse sobre um mapa e se desliza de um canto do mundo para outro. 

Diante de tantas possibilidades, o mais difícil é imaginar como será a sociedade futura. Para que fins serão usados tantos e tão promissores inventos? Se hoje é triste pensar que, não obstante as revoluções científicas e tecnológicas que assistimos, com tanto aparato para melhorarmos de vida, ainda nos falte um sistema político-econômico e social que nos possibilite um mundo mais fraterno, mais justo, mais igual, que será do futuro? Um maluco qualquer acionará um dispositivo que destrua o planeta, ou haverá paz?

Penso que senão todo, ao menos um pouco do futuro depende de cada um de nós. 

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