Santinho do pau oco

Ao afirmar que D. Pedro II declarou que daria até a última joia da Coroa para fazer a transposição do São Francisco, fui metralhado por alguns internautas cujo argumento era de que naquela época não havia corrupção. Ora, não dá para admitir que usuários da Internet sejam ignorantes de fatos dessa natureza, pois basta um clique para pesquisar sobre quase tudo o que se produziu de conhecimentos no mundo. Se não é ignorância, é mentira. Dizia minha avó que a mentira tem perna curta, mas Goebbels, na vigência do nazismo fez crer que uma mentira repetida mil vezes acaba sendo considerada verdade. 

Voltando aos tempos imperiais, e também na época em que o Brasil era colônia portuguesa, narro uma história conhecida. Mas, como diziam os latinos, a repetição é mestra, é mãe, do saber (repetitio est mater studiorum). Àquela época pagava-se a quinta parte do ouro para Portugal, o quinto, de onde surgiu a expressão que o ouro ia para os quintos dos infernos. Os garimpeiros, para sonegar o quinto, mandavam esculpir santos ocados em madeira onde escondiam o ouro para ser contrabandeado. Mas, enfim, contrabando, sonegação e corrupção são velhas amigas, caminham juntas. Não começou com o mensalão tucano, ou com o petista, nem com a Petrobrás e muito menos com a quadrilha que hoje governa o pais, se forem comprovadas as delações premiadas (com a absurda redução de penas acima de 100 anos para a liberdade pura e simples, como o caso do doleiro Alberto Youssef, conhecido desde o escândalo do Banestado). Realço que fica muito longe de mim defender a corrupção, mesmo sabendo que é mais antiga do que a traição de Judas, que vendeu Jesus Cristo por trinta moedas. Ela pode ser melhor controlada em alguns países, mas a sua extinção é absolutamente improvável.

Quer dizer que são inverdades maldosas muitas das declarações feitas por alguns internautas sobre corrupção e, repito, não se trata de ignorância dos fatos. É negação da história, falta de caráter. Quando criança, ai de mim se contasse uma mentira, pequenina que fosse. Minha avó dizia-me que “um mentiroso é um ladrão”. Aprendi a dizer a verdade, embora ideologicamente as minhas verdades possam não ser necessariamente a verdade de outros. Mas a verdade objetiva às vezes é doída, na época em que trabalhei na prefeitura, recebia várias comissões de bairros. As pessoas desejavam saber se o asfalto chegaria conforme lhes anunciava um deputado e se dependia somente de pequeno esforço da prefeitura.  Não, dizia-lhes não dependia apenas de verbas municipais e não havia emenda parlamentar que garantisse recursos federais. E uma vez que uma senhora pedalou uns dez quilômetros com uma criança sentada no cano, para pedir-me um bujão de gás? Disse-lhe que isso não era trabalho para vereador. Entrei para casa quase chorando, por ver a pobreza e a decepção estampada em seu rosto. Mas disse-lhe a verdade e não me arrependo.

Se são intoleráveis as mentiras de um cidadão comum, que dizer as de um ente público, de um presidente da República?

Na última quinta-feira assisti parte da entrevista que o interino Michel Temer concedeu a Roberto D’Ávila e, não obstante as perguntas se prestassem mais a permitir a propaganda dos programas do governo, as respostas escamoteavam a realidade. Mentiras, meias verdades e subterfúgios foram usados em borbotões. Alguns exemplos: a terceirização beneficia os trabalhadores e aos estados da federação compete adotar ou não essa medida. Outra: a mudança nas regras da aposentadoria somente vai atingir àqueles que ganham altos salários. Mas, como diz o ditado popular, peixe morre pela boca. Ao falar sobre a transposição das águas do São Francisco, eis que o erudito das mesóclises contradir-se-ia.

Perguntado se ele assumiu a paternidade da obra, respondeu que jamais afirmou tal coisa, o que disse foi que não negava a iniciativa de Lula, mas a paternidade da transposição era do povo brasileiro, que pagou impostos para realiza-la. Na sequência, perguntado se era um fraco, conforme declaração de Dilma, respondeu prontamente que não, bastava ver o que tinha feito pelo Brasil em tão pouco tempo. Significa dizer que a paternidade de obras em seu governo não é do povo. Pensando bem não é mesmo. O povo jamais teria tanto sadismo para prejudicar-se.

Publicada em “O Progresso” em 25/03/2017

A reprodução do texto é permitida desde que citada a fonte.

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