A convivência longeva que o amor constrói

Meus avós paternos tiveram dezoito filhos dos quais, pela seleção natural, os dez mais fortes sobreviveram. Dos dez dois morreram moços (um por congestão outro por câncer), um é celibatário, 5 completaram sessenta nos de convivência marital e 2 ainda esperam alcançar esse belo feito. Dos filhos de meus avós maternos apenas minha mãe completou as bodas de diamante, uma única outra filha casou-se e faleceu cedo. Para completar essa história de longevidade matrimonial, tanto os meus avós maternos quanto paternos também tiveram a benção de alcançar 60 anos de convivência e eu sempre fiquei muito impressionado com o carinho com que se tratavam. Mesmo quando perdia no jogo de escopa de 15 para o meu avô Secanha e a vó o chamava de “vechio ladro”, ela não transparecia rancor, mas uma forma carinhosa de não se deixar vencer. Quanto ao meu avô paterno, às vésperas de meu casamento, chamou-me à parte e confessou-me que ao longo de todos os anos de convivência jamais disse nada que aborrecesse a avó, nem mesmo um “saia da passagem”. Foi o seu conselho humilde, prático, para a minha vida de casado.

Conto-lhes essas intimidades porque Helena e eu estamos completando (11/12/2016) 40 anos de convivência matrimonial. Não creio que teremos a felicidade de completar os 60, com saúde, da mesma forma que os meus ancestrais, mas, convenhamos, nesses tempos de “casa e separa”, não deixa de ser compreensível que para chegarmos até aqui, tivemos extremado zelo um pelo outro. Claro que tudo começa com o amor, esse fogo que arde sem se ver, e que nos deixa querer estar preso por vontade, como disse Camões. O amor, que às vezes nos pega como um sopro de uma brisa inesperada, se é correspondido, faz uma laçada que envolve dois seres. Mas o laço inicial pode ser frágil, o amor é sentimento que se constrói a cada dia de modo que o laço não se arrebente, não se solte.

Construir o amor é ver no outro a paz, serenidade, segurança na convivência diária, é respeito mútuo, é um sussurro em elogio até mesmo às pequenas coisas. Construir o amor é ter sonhos, mesmo que pequenos sonhos. Construir o amor é saber ouvir. É transferir para os filhos o mesmo carinho que os pais se dispensam, educá-los, oferecer-lhes as oportunidades para que possam um dia soltarem-se de nossas mãos e caminharem por si, sabendo ler o mundo, responsabilizando-se por seus atos e procurando também amar intensamente aquilo que optaram em fazer, seja no casamento, no trabalho ou nos momentos de diversões.   

O amor se constrói nos momentos felizes, na sexualidade, no carinho, nas reuniões familiares ou com amigos, ou mesmo em um passeio pela praia ou pelo campo. Mas também o amor é construído nos momentos de dificuldades financeiras, no apoio ao companheiro(a) que passa por uma doença, logo, o amor é construído também na dor. Na dor que uma hora acaba e desperta ainda mais o bem querer, a gratidão que alimenta o amor como o adubo alimenta a planta.  

Talvez eu esteja me tornando um velho conservador, louvando o amor, o companheirismo, a família, justamente em uma época em que as pessoas são capazes de viajar horas em um metrô sem pronunciar uma única palavra à companhia ao lado, justamente em um tempo em que as pessoas se cruzam nas ruas e se olham simplesmente porque não é possível não olhar, mas não se enxergam. Talvez esteja me tornando mesmo um homem ultrapassado nesse reluzente século 21 quando para muitos basta a balada o copo, um ou dois olhares e um motel.

Bem, o tempo passa, a humanidade evolui, os conceitos mudam, é provável que se possa ser feliz sozinho(a), mas não quero crer jamais na morte do amor.

Enfim, sinto-me feliz em compartilhar com amigos e parentes a alegria de poder brindar a passagem de nossos quarenta anos de casados e ainda olhar para o futuro e sonhar, tendo a convicção de que que ainda temos muito a construir, não só para a nossa própria família, mas contribuir com teorias e ações práticas na esperança de finalizarmos nossas vidas em uma sociedade mais justa, mais fraterna e, principalmente, mais igual.

A reprodução do texto é permitida desde que citada a fonte.

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Livros

As Fabulosas Histórias de Bepi Bipolar

Ser convidada para escrever o prefácio deste livro de literatura
foi realmente muito gratificante e a deferência a mim concedida
pelo amigo, historiador e escritor Wilson Valentin Biasotto foi
recebida com surpresa e alegria

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2010: O ANO QUE NÃO ACABOU PARA DOURADOS

A obra ora apresentada é uma coletânea de crônicas publicadas em diversos meios de comunicação no ano de 2010. Falam, sempre com elegância e fluidez, de nossas vidas, de acontecimentos e de possíveis eventos em nosso país, especialmente em nosso município.

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Nossa preocupação, nesse trabalho, foi a de estudar o comportamento dos reis, no que concerne à aplicação da Justiça, baseados nas crônicas de Fernão Lopes.

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O livro ora apresentado é um apanhado de 104 crônicas, algumas de 1978 e a maioria escrita a partir de 1995 até a presente data. O tema Educação compõe-se de 56 crônicas, outras 16 são relatos descrevendo fábulas ou estórias oriundas da cultura italiana, e os emas Cultura e Sociedade compreendem, cada um, 16 crônicas.

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Crônicas: globalização, neoliberalismo e política

Esta obra foi editada em 2011 pela Editora da UFGD e reune 99 crônicas escritas principalmente nos últimos quinze anos, versando sobre a globalização, o neoliberalismo e política

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