Sucatear o ensino é condenar o país à indigência

Sábado passado comemorou-se o “dia do professor” e esse escrevinhador sequer lembrou-se de pautar a sua crônica sabática prestando uma homenagem aos educadores. Em casa somos todos professores, mãe, pai e três filhos, um deles engenheiro, mas que acabou ingressando no magistério. Somente nos lembramos de nosso dia após o almoço, quando lemos a postagem do professor Kiyoshi Rachi no Face declarando que desejava ser arquiteto, mas formou-se professor por não conseguir o seu sonho inicial. Sorte do magistério, especialmente o nosso, aqui de Dourados que ganhou um educador de primeiríssima linha. Mas isso é outra coisa.

A história do professor Kiyoshi, com raras exceções, enquadra-se perfeitamente naquilo que o professor Tetila dizia quando, em 1978, estávamos empenhados na organização da categoria, criando a Associação Douradense de Professores, hoje SIMTED: “os professores acabam sendo os náufragos de outras profissões”. Quer dizer, optam pelo magistério os que não podem, ou ao menos os que não podiam realizar seus sonhos de ingressarem em outras profissões. Eu mesmo, quando ingressei no ensino médio, ao menos teoricamente, tinha três opções: o Científico, que orientava os estudantes para a graduação em ciências exatas e da saúde; o Clássico que encaminhava para as Letras e o Normal (Magistério) que formava professores. Opções apenas teóricas, pois os cursos Científico e Clássico eram diurnos, acessíveis à classe média, impossível serem frequentados por jovens trabalhadores. Não à toa o curso noturno do magistério do Instituto Barão do Rio Branco de Catanduva, onde estudei nos anos de 1960, era dividido em três turmas, frequentado por 120 alunos, não por opção, mas por falta de outras oportunidades.

Professores, náufragos não só de outras profissões, mas do próprio magistério, pois grande parte formava-se e não exercia, dedicava-se a profissões completamente alheias à sua formação. No entanto nem todos os náufragos se perdiam, muitos encontravam durante o curso de formação, no seu interior, uma sementinha dormente que despertava, floria e frutificava transformando-os em entusiásticos educadores, em profissionais capazes de formar cidadãos com capacidade crítica para discernir entre o certo e o errado, capazes de compreender o mundo em que vivem.

Impressionante é constatar que justamente a profissão que forma todos os outros profissionais graduados existentes no mercado de trabalho é justamente a menos valorizada. A classe dominante desde sempre conseguiu mistificar a categoria dos professores, passando ora a ideia de que o magistério era uma profissão para as mulheres de classe média, aquelas que não precisavam exatamente de um salário, mas de uma ocupação, ora disseminando a ideia de que o magistério era um sacerdócio e assim sendo exercido muito mais por vocação do que por profissão. Justificativas perfeitas para os baixos salários e as condições precárias oferecidas ao magistério.

Por outro lado, não existia a mínima vontade política de fazer com que os pobres e as mulheres em geral se tornassem esclarecidos. Quanto menos instruídos mais facilmente dominados.

Mas os tempos mudaram, a formação de sindicatos por todo o território nacional promoveu mobilizações intensas. O professorado passou a ter consciência política de sua situação. Ao invés de reconhecer-se com sacerdote, passou a reconhecer-se como profissional, profissional que precisa colocar amor em sua prática, mas profissional.

Outrossim mudou também a estratégia dos governantes. Agora pretendem afastar a ideia de que cabe ao Estado a educação de seus jovens. No fundo o objetivo é manter o povo alienado, sujeito à desigualdade. Não à toa o deputado Marquezelli afirmou que “quem não tem dinheiro não estuda”.

Síntese perfeita do pensamento de um governo que promove uma reforma do ensino por medida provisória e que, com um Projeto de Emenda Constitucional, a PEC 241, pretende congelar por 20 anos os gastos governamentais, limitando-os à inflação, ao contrário de vinculá-los ao aumento da receita. Pobre Brasil de um passo à frente e dois para trás. A reação existe, hoje cerca de 900 escolas brasileiras estão ocupadas por estudantes, em protesto contra essas medidas. Mas quem ainda pretende ser professor?

A reprodução do texto é permitida desde que citada a fonte.

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Livros

As Fabulosas Histórias de Bepi Bipolar

Ser convidada para escrever o prefácio deste livro de literatura
foi realmente muito gratificante e a deferência a mim concedida
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recebida com surpresa e alegria

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2010: O ANO QUE NÃO ACABOU PARA DOURADOS

A obra ora apresentada é uma coletânea de crônicas publicadas em diversos meios de comunicação no ano de 2010. Falam, sempre com elegância e fluidez, de nossas vidas, de acontecimentos e de possíveis eventos em nosso país, especialmente em nosso município.

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Nossa preocupação, nesse trabalho, foi a de estudar o comportamento dos reis, no que concerne à aplicação da Justiça, baseados nas crônicas de Fernão Lopes.

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O livro ora apresentado é um apanhado de 104 crônicas, algumas de 1978 e a maioria escrita a partir de 1995 até a presente data. O tema Educação compõe-se de 56 crônicas, outras 16 são relatos descrevendo fábulas ou estórias oriundas da cultura italiana, e os emas Cultura e Sociedade compreendem, cada um, 16 crônicas.

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Esta obra foi editada em 2011 pela Editora da UFGD e reune 99 crônicas escritas principalmente nos últimos quinze anos, versando sobre a globalização, o neoliberalismo e política

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Esse trabalho tem três objetivos principais, cada qual contemplado em uma das três partes do livro, como se verá adiante. O primeiro é oferecer ao leitor algumas reflexões sobre temas que ocupam o nosso dia-a-dia; o segundo é divulgar os vinte princípios das Cidades Educadoras e, finalmente o terceiro, é tornar público o projeto que nos orienta na transformação de Dourados em uma Cidade Educadora e mostrar os primeiros passos para a operacionalização desse projeto.

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