As fadinhas más e o monstro ensurdecedor

Intitulada “as fadinhas más”, a crônica de hoje poderia ter também como título “as bruxinhas boas”, isso porque aprendi que da mesma forma que existem bruxas boas, também existem fadas más. Optei por fadinhas más porque afinal as fadinhas são sempre mais belas, enquanto as bruxas são de causar medo, e mesmo as bruxas boas não são lá tão beneficiadas pela beleza.

Isso esclarecido, desejo dizer que ao chegar ao local de meu atendimento, a moça sorridente me tratou com especial atenção. Eu desejava marcar um exame para aquele mesmo dia, no entanto ela insistia que só poderia ser realizado cinco dias depois. Como mantivesse sempre o sorriso perguntei-lhe se não poderia usá-lo em meu benefício, favorecendo a antecipação do exame para evitar a minha ansiedade. Não, foi a resposta incisiva, mas sem perder o sorriso. Uma primeira fadinha má dessa história.

No dia do exame deparo-me com a enfermeira, também com sorriso amistoso. Fez-me vestir uma roupa bem grande, mas embora desconfortável senti-me um pouco mais magro do que a realidade. Em seguida, ainda com o sorriso nos lábios, deu-me um remédio, cujo amargor não se separou de minha boca por mais de duas horas e ainda com um profissionalismo impar enfiou-me uma agulha bem na veia, para mais tarde injetar um líquido que parecia demasiadamente gelado. Essa, a segunda fadinha má.

Por fim entro em uma sala gelada onde fui atendido por duas biomédicas e sou enfiado em um monstro ensurdecedor de pacientes. Nem o fone posto nos ouvidos foram suficientes para aliviar aquele barulho que ora parecia dizer repetidamente “é top, é top e em seguida top top top. Gozador, nunca fui top. Depois mudava e emitia outros sons ininteligíveis. As biomédicas pediam-me para encher o peito de ar e soltar, depois ficar sem respirar. Ora, ficar sem respirar? Não morri, mas eis mais duas fadinhas más, que ainda, para completar, mandam-me buscar o exame apenas quatro dias após.

Sessenta anos atrás ainda se usava no Brasil uma máscara para aplicar clorofórmio nas pessoas que eram submetidas a cirurgias, embora a anestesia tenha sido descoberta a partir de meados do século 19. A dor era até então indomável, mesmo os reis convalesciam em seus leitos de morte e sabe-se lá se morriam em consequência da moléstia que o atingira ou se pela dor por ela provocada.

Hoje não precisamos sequer sentir dor para sabermos se estamos diabéticos, com pressão alta, colesterol elevado, câncer, principalmente o de próstata e de seio.

Claro que o leitor já percebeu que as minhas fadinhas más haviam me submetido a uma ressonância magnética. E, apesar do barulho daquele monstrinho, é impressionante o poder que ele tem em detectar doenças. Quarenta anos atrás Dourados não tinha ainda sequer o ultrassom, atualmente a tomografia computadorizada é fichinha e mesmo a ressonância já não é tão eficaz quanto aparelhos mais sofisticados que são capazes de localizar câncer em poucos minutos.

Todo esse avanço tecnológico leva a diagnósticos que podem prolongar nossas vidas, embora fadinhas más e magos ainda mais, precisam, às vezes, submeter-nos a endoscopias, colonoscopia e tantas outras maldades para depois nos curar.

Bem, mas enfim, se for detectada alguma doença, como reza a fábula indiana, de duas uma, ou saramos ou morremos. Se sararmos não haverá motivo para nos preocupar, agora, se morrermos, de duas uma, ou vamos para o céu ou para o inferno. Se formos para o céu não haverá motivo algum para nos preocuparmos, agora, se formos para o inferno, haveremos de cumprimentar tantos conhecidos que não haverá tempo para nos preocuparmos.

Fábulas e crônicas à parte o maravilhoso é constatar que Dourados, uma cidade de porte médio, possui recursos para o tratamento das pessoas e, apesar de que ainda haja muito por ser feito, especialmente em termos de gestão de saúde pública, a grande verdade é que nos tornamos um respeitável centro de atendimento médico e de tratamento hospitalar.

As bruxinhas da Idade Média foram para a fogueira, às nossas fadinhas más de hoje, agradecemos.

Corrigindo: No sábado passado, por uma imperfeição na estrutura do texto (não por ignorância histórica) disse que Pinochet foi ditador paraguaio. Peço desculpas aos leitores, Pinochet foi ditador do Chile durante 11 anos e Stroessner, no Paraguai durante 35. 

A reprodução do texto é permitida desde que citada a fonte.

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Livros

As Fabulosas Histórias de Bepi Bipolar

Ser convidada para escrever o prefácio deste livro de literatura
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pelo amigo, historiador e escritor Wilson Valentin Biasotto foi
recebida com surpresa e alegria

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