Pertenço, logo existo

 

Há quem diga que a crônica é literatura menor, mas convenhamos, para demonstrarmos uma ideia em tão curto espaço não é coisa simples. De qualquer forma, gosto de expressar minhas opiniões, sempre defendendo que as críticas são bem-vindas.

Hoje vou me perguntar porque eu sei que existo, assim como desejo que o caro leitor faça essa pergunta a si mesmo.

Podemos dizer que existo porque consumo, existo porque vou ao shopping, porque possuo um smartphone, existo porque quando posto algo no Facebook sempre há alguém que curte, que aplaude ou desbanque as minhas postagens. Dias atrás, postei duas máximas, uma do Ocidente e outra da África e entendi que mereciam uma reflexão maior. São máximas de caráter mais profundo, diria que de caráter filosófico: “penso, logo existo e “pertenço, logo existo”.

O “penso, logo existo” pode ser considerado uma síntese do pensamento racionalista (cartesiano) do filósofo e matemático francês René Descartes, que escreveu, em 1634, uma obra revolucionária: “Discurso sobre o método”, tese em que defendeu que a razão deveria estar um primeiro lugar e que, de certa forma, a dúvida deveria mover a ciência. O livro contrariando a fé foi para o Index Librorum Prohibitorum, uma lista dos livros proibidos pela Igreja Católica que, àquela época, tinha um poder muito grande sobre tudo e todos no Mundo Ocidental.

Por outro viés, podemos dizer que há algo de egocêntrico, de individualista nessa máxima. Se o pensar me faz existir, posso dispensar tudo o mais. Eu sou. Eu faço. Eu venço.

Quanto ao “pertenço, logo existo”, trata-se de uma máxima de construção coletiva, uma lógica completamente oposta à do mundo ocidental. Não há um autor que tenha dito isso em livro, trata-se de uma construção secular, construída coletivamente, portanto, arraigada no imaginário social, e não tem nada a ver com riqueza material, com o desenvolvimento econômico, mas como uma filosofia de vida. Aprendi essa máxima com um aluno angolano que cursou Pedagogia no CEUD (UFGD atual) e ela se tornou um elemento de minhas reflexões.

Nos primeiros quinze anos desse século 21, ninguém, em sã consciência, pode contestar a supremacia da razão; por esse ângulo, o racionalismo cartesiano é impecável, mas se tomarmos o “penso, logo existo”, como expressão de um individualismo exacerbado, digamos, como precursor do neoliberalismo, então, particularmente, defendo a noção de pertencimento. Senão vejamos.

Em primeiro lugar tomemos um argumento humanista de caráter inclusivo, ao contrário do ostracismo a que eram postas pessoas deficientes. Um idoso, portador de Alzheimer, ou uma criança com síndrome de Down, por não possuírem a capacidade de pensar, não existem? Uma comunidade pobre, flagelada, por ter uma visão alienada de mundo, por não conseguir ler o mundo onde vive, não existe?

Tomemos outro caminho. Nascemos sozinhos, ou pertencemos a uma família? Somos Robinson Crusoé, ou temos a necessidade de pertencermos a uma comunidade, seja escolar, trabalhista, religiosa, desportiva?

Sem pertencer, não existo. (Re)lendo um livro que me foi presenteado em 1966, “Construir o homem e o mundo” do presbítero francês Michel Quoist, que participou do Comitê Episcopal da Igreja Católica na América Latina, encontro um trecho que bem demonstra a semelhança do pensamento desse autor com o “pertenço, logo existo”.   “Os homens não são indivíduos justapostos, mas, pessoas ligadas umas às outras. Você é membro da humanidade, e todo homem é um pouco de você, porque também pertence à humanidade”

É isso. Tanto no campo religioso quanto no materialista, a máxima de que pertenço, logo existo, pode ser avaliada. Se formos cristãos, não temos como negar que pertencemos a uma Igreja, que somos semelhantes ao Criador e, por via de consequência, pertencemos a Deus. Se formos ateus, diremos que pertencemos à natureza, que fomos gerados por ela e a ela daremos continuidade pela nossa genética ou até mesmo voltaremos a ela em forma de cinzas, para produzir talvez uma árvore.

Se pertenço, amo. Na dedicatória do livro citado, encontrei uma bela definição desse sentimento: “Amar é dar-se; despoje-se de si e dê-se aos outros livremente, verdadeiramente e assim você crescerá verticalmente aos olhos do Pai e ajudará aos outros na sua construção”.

A reprodução do texto é permitida desde que citada a fonte.

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