Almas gêmeas: isso realmente existe?

 
Estava escuro como o breu e, portanto, o susto foi grande quando duas mãos se sobrepuseram simultaneamente na maçaneta para abrir a porta. Por sorte o interruptor estava ao alcance e a luz foi acessa. O casal, ainda um pouco assustado, gargalhou com o acontecido. Marido e mulher haviam tido o mesmo pensamento, desceram da cama, cada qual de seu lado e encaminharam-se para a porta que dava acesso ao banheiro. Somente as mãos se encontraram e antes que a luz fosse acessa, não se poderia imaginar tal cena. Nenhum ruído havia sido emitido, o respeito ao sono do outro provocara essa ação tão inusitada, mas bonita.
São gestos assim que mantém acessa a chama do amor. Sempre tive admiração pelo carinho com que os meus avós se tratavam. Não se beijavam, não se abraçavam, ao menos em público, mas cada gesto deles representava algo que me parecia transcender ao próprio amor. Mas como nada pode transcender ao amor, conclui que o tratamento que eles se dedicavam era isso sim, a sublimação do amor. Ambos os avós, materno e paterno, conviveram mais de 60 anos em união matrimonial. Trabalharam duro, tiveram muitos filhos, perderam muitos deles ainda pequenos, sofreram todas as vicissitudes de uma época em que se cozinhava no fogão a lenha, não havia energia elétrica em suas casas, nem privadas, nem água encanada, nem tratores, caminhões, automóveis, televisão. Havia apenas os dias que clareavam a noite e trabalho até que a noite vencia o clarão do dia.
Meus pais e mais quatro de meus tios também ultrapassaram os sessenta anos de casados. Naqueles tempos, a exemplo de meus familiares, o comum era a convivência dos casais até que a morte os separasse. Várias razões levavam a tão longa convivência: submissão da mulher e o amor.
A mulher antes dos anos 60, era criada para servir ao marido e cuidar da casa e dos filhos. Os maridos, mesmo quando brutos eram suportados por conta principalmente do olhar da Igreja e da sociedade que condenavam veemente as separações.
Mas o amor é essencial. Amor, fruto do encontro de dois seres que se entreolham e se atraem como dois imãs, amor, cultivado ao longo dos anos com carinho, convivência de entendimento que se transforma em amalgama para a união indissolúvel.
E nos tempos atuais, quando os casamentos rompem-se facilmente? Será o fim da submissão feminina? Felizmente as mulheres conquistaram largas vitórias contra o machismo, embora ainda haja muito a ser vencido. Dessa forma é justo que se separem e vivam mais felizes sós que mal acompanhadas. Por outro lado, será que o amor entrou em greve?
Não me canso de afirmar que somos agentes da história, que temos o livre arbítrio para decidirmos o nosso destino, mas, por outro lado, não deixamos de estar atrelados às circunstâncias que nos rodeiam. Os tempos são outros, o cotidiano nos absorve de tal maneira que não temos mais tempo. Nossas vidas e as de nossos filhos estão cada vez mais dissociadas do convívio familiar. Nas grandes cidades os pais não chegam a conviver com os filhos durante mais do que dez minutos por dia.
Estamos construindo uma sociedade nova, cujas regras de convivência jamais foram outrora experimentadas. Uma sociedade que obriga-nos a repensar o que seja a família, o casamento e até mesmo o amor.
De minha parte, no dia do aniversário da portadora daquela mão que se sobrepôs à minha, companheira já de 38 anos de convívio, quando já passara da meia-noite, levantei-me pé ante pé e desta vez sem que as nossas mãos se encontrassem na maçaneta da porta, fui até o banheiro e no espelho escrevi com baton dentro de um coração ultrapassado por uma flecha, “parabéns nossa rainha”.

Voltei para a cama meio alegre, meio constrangido. Teria agido infantilmente? Gostaria de ter ficado acordado para ver a sua reação imediata diante daquele quadro, mas embora tenha demorado para conciliar o sono, quando o fiz já estava convencido de que fizera bem. Na maioria das vezes não são os reluzentes brilhantes que trazem paz, harmonia, alegria de viver. Nas pequenas coisas, nos pequenos atos do dia-a-dia, nas boas palavras que trocamos é que cultivamos a felicidade. Assim com o casal, assim com a família, assim com a sociedade na qual vivemos.  

A reprodução do texto é permitida desde que citada a fonte.

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Livros

As Fabulosas Histórias de Bepi Bipolar

Ser convidada para escrever o prefácio deste livro de literatura
foi realmente muito gratificante e a deferência a mim concedida
pelo amigo, historiador e escritor Wilson Valentin Biasotto foi
recebida com surpresa e alegria

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2010: O ANO QUE NÃO ACABOU PARA DOURADOS

A obra ora apresentada é uma coletânea de crônicas publicadas em diversos meios de comunicação no ano de 2010. Falam, sempre com elegância e fluidez, de nossas vidas, de acontecimentos e de possíveis eventos em nosso país, especialmente em nosso município.

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Nossa preocupação, nesse trabalho, foi a de estudar o comportamento dos reis, no que concerne à aplicação da Justiça, baseados nas crônicas de Fernão Lopes.

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Crônicas: Educação, Cultura e Sociedade

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Crônicas: globalização, neoliberalismo e política

Esta obra foi editada em 2011 pela Editora da UFGD e reune 99 crônicas escritas principalmente nos últimos quinze anos, versando sobre a globalização, o neoliberalismo e política

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Esse trabalho tem três objetivos principais, cada qual contemplado em uma das três partes do livro, como se verá adiante. O primeiro é oferecer ao leitor algumas reflexões sobre temas que ocupam o nosso dia-a-dia; o segundo é divulgar os vinte princípios das Cidades Educadoras e, finalmente o terceiro, é tornar público o projeto que nos orienta na transformação de Dourados em uma Cidade Educadora e mostrar os primeiros passos para a operacionalização desse projeto.

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