Da revolta do vintém à dos 20 centavos

 

Em 1880, o povo foi às ruas no Rio de Janeiro devido ao reajuste no preço do transporte coletivo, os famosos bondes sobre trilhos, puxados por mulas. De 20 réis foi o reajuste, ou seja, um vintém. Dom Pedro II chamou o povo para o diálogo, mas os republicanos envolvidos no movimento viram na manifestação uma oportunidade de enfraquecer ainda mais a monarquia e resolveram continuar com os protestos. Resultado, quando o líder do movimento viu que a manifestação foi tomando caminhos violentos tentou conter os ânimos, mas era tarde, mulas foram esfaqueadas, trilhos arrancados, um paralelepípedo atingiu a cabeça do comandante da polícia e esse indignado, ao invés de ir se cuidar, mandou abrir fogo e a tropa do exército que acabara que chegar não conseguiu evitar o massacre: pelo menos 20 brasileiros morreram na manifestação.

O vintém da passagem dos bondes foi o estopim de um descontentamento maior em relação à Monarquia que, aliás, caiu nove anos depois. Da mesma forma os 20 centavos que iniciaram a manifestação brasileira em São Paulo foram o ponto de partida para um movimento maior que atinge proporções internacionais. O aumento em si poderia ter sido resolvido se tivesse havido bom senso das autoridades paulistas, mas o povo percebeu claramente que há uma completa dissociação entre a democracia representativa e a democracia direta. O povo escolhe os seus governantes e eles se afastam do povo. E o exemplo não fica restrito a São Paulo. Em todo o Brasil (e em outras partes do mundo) as coisas se assemelham especialmente em Brasília, onde há a maior concentração de políticos do Brasil.

Vamos ser francos. O movimento pegou todo mundo de calças curtas, como diria a minha avó. Ninguém imaginava tamanha movimentação. As vaias recebidas pela presidente Dilma na Abertura da Copa das Confederações quase levou a direita nacional a orgasmos múltiplos, mas de repente os endinheirados lá presentes perceberam que a presidente não eram o principal motivo de repulsa, mas o sistema. Quanto à imprensa, também levou um baita susto e teve que admitir que a manifestação necessitavam de uma análise sociológica bem mais profunda.

Não ignoremos que vinte centavos tira um pãozinho francês da boca de uma criança, filho de trabalhador. Vai e vem, 40 centavos, dois pães. Depois vem a questão da má qualidade dos serviços de transporte público. Mas a questão é mais profunda: trata-se da formação de um imaginário coletivo que vem se acumulando durante anos e anos, dando ao povo a certeza da inexistência de justiça social, de impunidade aos crimes de colarinho branco, das mordomias de políticos, morosidade e conivência da justiça, os gastos com obras extravagantes para a copa do mundo, as farras de filhos de papais que chegam a gastar 6 mil por noite em festas privadas.  Tudo isso foi entrando na cabeça do brasileiro, que já tem emprego, já tem bolsa família, que já não está tão preso ao julgo dos coronéis e caciques regionais, mendigando favores e então pode manifestar-se.

Quer dizer, as manifestações que hoje ocorrem nesse nosso Brasil, são motivo de orgulho e não de polícia, pois a liberdade parece realmente ter brilhado em raios fulgidos no céu dessa pátria altaneira. Não se trata, portanto de um movimento do tipo “fora Color”, mas de uma manifestação em busca de cidadania, está certo que uma manifestação difusa na qual aparecem as mais diversas reivindicações que estão entaladas na garganta do povo, esperando por esse grito.

Por ser uma manifestação difusa, gestada pelas mídias sociais, não tem líderes, ao menos por enquanto, que possam responder por ela. Isso é um perigo, é preciso aprimorar a maturidade política de nosso povo, não permitindo que os vândalos se aproveitem da situação. Agora, o que precisa mesmo é mudar o sistema que os oprime, fazer com que as instituições recobrem a confiança que o povo lhes depositava. As Instituições com os seus representantes evidentemente, porque quando perdemos a fé na polícia, nos padres e pastores, nos políticos, nos promotores e juízes, nos tribunais, sejam eles de primeira ou última instância, aí corremos o risco da anomia: uma palavra bonita que significa a ausência de respeito às normas devido serem contraditórias.   

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Livros

As Fabulosas Histórias de Bepi Bipolar

Ser convidada para escrever o prefácio deste livro de literatura
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