PARTE I


FERNÃO LOPES E SEU TEMPO

Capítulo II - EXPECTATIVA DOS CONTEMPORÂNEOS EM TORNO
DA JUSTIÇA

Desde os tempos da reconquista do território em mãos dos sarracenos, constituiu-se em Portugal, uma aristocracia ciosa de alguns privilégios outorgados pela monarquia como recompensa aos relevantes serviços prestados a Deus – na medida em que se combatiam os infiéis – e à própria monarquia, na medida em que ia consolidando a posse do reino fundado por Afonso Henriques.

Desses privilégios, dois saltam à vista pela constância de sua utilização: a isenção de tributos e a jurisdição privada sobre os moradores de suas terras.

A imunidade gozada pela aristocracia em relação ao tributo, parece ter sido aceita pelas classes populares como necessária. De fato, o costume de se isentar a aristocracia de obrigações tributárias estava de tal forma arraigado na sociedade portuguesa que raramente se registrava em Cortes, reclamações sobre o peso dos encargos. Não compreendendo a possibilidade de uma aproximação com os privilegiados ao menos através da partilha dos encargos públicos, não vendo remédio para o mal que lhe pesava sobre os ombros com exclusividade, os do povo preferiam nutrir a vaga esperança de que somente mudando a sua posição na sociedade é

que poderiam usufruir de algum privilégio (1).

Sobre o privilégio de jurisdição de que gozavam os nobres em suas terras não se pode dizer o mesmo; ao menos no período que estamos estudando (1357-1411), não encontramos sequer armentos conformistas — como no caso da isenção de tributos — que justificassem a dependencia judiciária das camadas populares às privilegiadas. Ao contrario, abundam os protestos daquelas em relação à sujeição muitas vezes absurda a que estavam submetidas.

As reclamações feitas em Côrtes pelo povo do reino, são como um termômetro indicador destes descontentamentos. Em 1331 os concelhos diziam ao rei que os privilegiados

“acolhiam e traziam em sua comitiva degredados e outros malfeitores, não deixando que as justiças entrassem nos coutos e honras para prender criminosos” (2).

Em 1371, queixaram-se novamente, os concelhos contra os grandes senhores que não permitiam a entrada em suas terras de

“officiaes do rei ou do concelho” para buscarem “delinquentes acobertados pelas imunidades dos seus protectores” (3).

E em 1434, decorrido mais de um século dos primeiros clamores que tomamos como exemplo, encontramos ainda acusações sobre a impunidade do mesmo mal (4). O problema que a prepotência dos senhores suscitava neste sentido consistia nas frequentes saidas dos assassinos e malfeitores, que após a prática de novos crimes retornavam ao agasalho de seus protetores. Por esta tão relevante razão os representantes do povo pediam que o rei

“cobrasse toda a jurisdição...” (5).

Já as Côrtes do Porto de 1372, davam mostras de que o maior agravo
sofrido pelo povo era a

“cedência da jurisdição que entendia ser de direito inalienável”

do soberano (6). De fato, possuindo jurisdição sobre os moradores de suas terras podiam os grandes do reino não só impedir a entrada da justiça real como violar usos e costumes, foros e liberdades e cometerem toda sorte de violências a ponto dos moradores dizerem que ‘queriam antes que os vendessem a mouros, do que os deixassem ficar na sujeição em que se encontravam” (7).

Deixada à parte a retórica empregada pelos representantes do povo, pois bem vemos que tinha por objetivo chamar a atenção do soberano através de recursos extremados, não se deve subestimar o problema. Na realidade os nobres abusavam das prerrogativas que lhes eram concedidas, em razio da posição social que ocupavam. Exemplos flagrantes desses abusos podem ser detectados através de outros capítulos de Côrtes realizadas durante o século XIV, e mesmo na centuria seguinte. Tomemos alguns.

Constantes eram as reclamacões do povo sobre as “tomadias”. Ao passarem pelas povoações do reino, os nobres exigiam de seus moradores o fornecimento de tudo quanto precisavam para o sustento da comitiva: pão, galinhas e outras aves, carnes diversas, peixes, roupas, cavalgaduras, forragem e tomavam até os próprios filhos dos aflitos moradores, dos quais

“sse serué... como demonjos” (8)

Também causavam dissabores aos concelhos as negativas dos privilegiados em contribuírem com fintas e talhas para despesas que visavam o bem comum, tais como construção de pontes e consertos de muros (9).

As camadas populares sentiam-se indefesas; aqueles que lhes deviam proteger por força dos costumes medievais, eram os que mais as exploravam e, ás vezes de forma violenta, como temos demonstrado.

Não é de admirar que quem estava preferindo ser vendido a mouros ou

“abandonar os casaes a conservá-los para sofrerem taes maleficios” (10).

procurasse uma forma de equacionar suas dificuldades. Vislumbram-na no rei a quem requeriam

“que a justiça não tivesse senhores, como agora tinha; que fosse, elle monarcha, o maior da justiça: que todos a temessem e aos seus executores, em vez de os maltratarem, como faziam; e finalmente que ninguém, por mais poderoso que fosse, deixasse de lhe estar sujeito”(11).

A busca de proteção sob o manto real, pelas camadas populares é natural se considerarmos que “a intensidade das pretensões dos poderosos, estava na razão inversa do grau de firmeza que ellas encontravam no poder central” (12),

e que o rei, para fortalecer-se encontrava nelas toda predisposição necessária para uma aliança profícua contra os grandes do reino. E, se admitirmos, que quanto maior fosse a força do rei, menor era a dos privilegiados, haveremos de convir que quanto maior a força das camadas populares, maior seria também o poder de barganha com seu real aliado.

A trajetória seguida pelas camadas populares portuguesas até atingirem uma posição de equi1íbrio com as demais, foge ao objetivo deste trabalho. Podemos, todavia concluir com Jayme Cortesão que Portugal no transcurso do século XIV assistiu ao aparecimento e predomínio de uma burguesia (13), cujas influências não se limitaram ao quadro nacional, atravessaram fronteiras fazendo-se sentir principalmente nos paises do Norte. Assentada no comércio à distância com base na agricultura e na extração do sal, essa burguesia, aliada aos mesteirais, deu aos reis portugueses o apoio tão necessário à sua luta contra a nobreza e o clero,
De tendências feudais (14).

Também não se deve esquecer o papel desempenhado pelos legistas, pessoas conhecedoras de Direito, graduadas em universidades, das quais a de Bolonha desde o sécu1o XII, notabilizava-se pela qualidade de seu ensino nessa área do saber. Esses legistas foram pouco a pouco, na medida em que a administração pública ia exigindo, sendo chamados pelos soberanos europeus a participarem dos conselhos dos reis, e não se coloca em dúvida a importância de sua atuação na formação dos Estados Modernos.

“Nos conselhos, na participação da administração pública, esses legistas não eram simples executantes de uma política, eram os definidores de uma política” (15).

Assim é que a multiplicação desses Doutores em Direito, durante os sécu1os XII a XV, favoreceu a defesa dos interesses da burguesia — francamente pró-rei, como foi visto — uma vez que eles se constituíam em seus

“intérpretes esclarecidos e fiéis” (16).

Representantes dos interesses burgueses, mas ciosos dos seus próprios, os legistas acabaram constituindo-se num quarto
“braço de estado” (17), que dava total apoio à política de centralização do poder real. De fato, talvez nenhum outro segmento social tenha contribuído tanto quanto os legistas para a primazia do poder real, graças especialmente ao fato de veicularem nas leis nacionais, o Direito Romano. Todavia, não é o caso de considerá-los, já no século XIV, sem nenhuma reserva, como uma ordem social consciente de sua originalidade. Por isso os incluímos ainda entre as camadas populares (18), e como tal, propensos, a terem no rei o mais alto senhorio.

Pelo que foi delineado nodemos nos aventurar a algumas conclusões preliminares sobre os anseios das camadas populares em relação à justiça: sendo oprimidas pelas privilegiadas, buscavam nos reis uma fonte superior de justiça.

que pudesse não apenas livrá-las dos maus tratos que recebiam, mas também harmonizasse, através da distribuição equânime da justiça, a sociedade de todo o reino em seu conjunto. Aumentando seu poderio econômico crescia-lhes a força social e política, possibilitando uma aliança com os reis, favorável a estas na medida em que abriam-se-lhes perspectivas de viabilizarem seus anseios centralizadores e àquelas porque quanto mais forte fosse o poder central, mais se esperava de sua justiça.

Das camadas privilegiadas seria de supor um comportamento diferente. Mas não. Assim como as populares, elas admitiam no rei a prerrogativa da maior justiça. É verdade que, ao contrário daquelas, nem sempre aceitavam tal sujeição e, quando tinham possibilidade, procuravam açambarcar para si poderes os mais que podiam. Desse dilema – admitir mas não aceitar – surgiram na Europa Medieval constantes conflitos que culminaram – mais cedo ou mais tarde, variando de um país para outro – com a vitória da realeza sobre os poderosos, através do estabelecimento do absolutismo monárquico, uma das características da modernidade.

Mas não extrapolemos. O século XIV que se constitui basicamente no palco de nosso trabalho. Prendamo-nos portanto mais a ele, com a tarefa imediata e não muito fácil, de explicarmos a distinção, entre as palavras admitir e aceitar, que resultava no dilema supra enunciado. Procuraremos utilizar para tanto, sempre que possíve1, os mesmos dados com os quais demonstramos a propensão das camadas

populares em favor da justiça real. O caráter repetitivo poderá ser enfadonho, mas, ainda assim, se nos afigura como preferível, uma vez que pretendemos retirar de um só conjunto de circunstâncias a expectativa das várias camadas sociais. E talvez não seja demais frisar que dentre as camadas populares englobamos o povo de mais simples condição, os mesteirais, a burguesia e os letrados. Como camadas privilegiadas, a cujos representantes muitas vezes nos referimos como “os poderosos” ou “os grandes do reino”, pretendemos designar a nobreza e o clero.

A monarquia portuguesa foi fundada sobre as terras da Península Ibérica, reconquistada aos mouros, no X século. Com a Reconquista a aristocracia saiu fortalecida e detentora de grandes privilégios (19). Um detalhe apenas, simples e conhecido sobremaneira, mas que importa ao nosso trabalho, ao menos como ponto de partida para o desenvolvimento de nosso raciocínio. Era o rei, desde o início da monarquia, quem estava à testa do movimento contra os mouros; a ele cabia, portanto, a distribuição das mercês e, em conseqüência, era tido como o mais alto senhorio. Jamais um rei português abriu mão dessa prerrogativa (20).
Muitos soberanos portugueses, dentre os quais D. Afonso III, D. Pedro I, D. Fernando e D. João V, foram tão generosos em suas concessões que eram os primeiros a prejudicarem os interesses da coroa. O próprio D. João I, fundador da dinastia que levou Portugal aos grandes empreendimentos marítimos pode ser incluído nesse rol de reis generosos (21); todavia, não se denota nenhum vestígio de que alguns destes soberanos ab-rogasse seu direito de suprema justiça.

Além do mais,

“cada página de história medieval demonstra o caráter espontâneo e apaixonado dos sentimentos de fidelidade ao príncipe” (22).

De fato, essa afirmação não só é verdadeira como também perfeitamente aplicáve1 a vários acontecimentos descritos por Fernão Lopes (23). E não seria possível supor fidelidade

sem admitir reconhecimento de senhorio. Ora, como nas descrições de Fernão Lopes aparecem todas as camadas indistintamente demonstrando fidelidade ao rei, não se pode deixar de reconhecer que era tido, inclusive pelos poderosos, como o mais “alto senhorio”.

Os vários exemplos na história portuguesa de sublevações de nobres, algumas quase se transformando inclusive em verdadeiras guerras civis (24), como conseqüência da generosidade de alguns reis, poderiam servir como depoimento contrário ao ponto de vista que vimos defendendo, mas paralelamente, o século XIV marca uma série de medidas preventivas adotadas pelos monarcas, adversas às pretensões dos privilegiados.

“Em 1317 o monarca preveniu a nobreza contra os abusos de jurisdição; em ... 1321 obrigou a todos os nobres a provarem os seus direitos feudais; D. Fernando negou o direito de justiça feudal às honras constituídas a partir de 1325; a partir de 1384, as concessões régias ficaram restritas aos descendentes legítimos e a partir de 1389 aos filhos varões” (25).

Então, mesmo verificando-se desde o início da monarquia até 1411, momentos de rebeldia da nobreza em relação ao poder real e, principalmente, que os reis portugueses jamais deixaram de privilegiar os grandes do reino em detrimento de suas próprias prerrogativas, pode-se afirmar que
as sublevações e mesmo as concessões, muitas vezes generosas, não afetaram a soberania régia. O certo é que quanto maior a necessidade de fidelidade, maiores eram as concessões e mais atenuado o poder monárquico, mas é também constatável que,

“a força de uma classe em relação às demais nunca se desequilibrou de tal forma que chegasse a ameaçar seriamente o poder real” (26).

Temos por provado que as diversas camadas sociais curvavam-se diante do poder real, reconhecendo nele a maior fonte de justiça. Os reis, por sua vez – e ninguém mais interessado que eles — aproveitavam-se dessa expectativa de seus contemporâneos para fortalecerem o mais que podiam a soberania. Mesmo os reis considerados mais fracos, oferecem exemplos insofismáveis de que consideravam suas prerrogativas de maior senhorio como líqüídas e certas, portanto, irrevogáveis e intransferíveis (27).

O fato das diferentes camadas sociais admitirem no rei a maior fonte de justiça não quer, contudo, dizer que o soberano medieval pudesse agir arbitrariamente. Seus poderes eram condicionados principalmente por dois superiores: Deus e o direito (28).

Os próprios reis estavam convencidos disto e essa idéia pode ser detectada até mesmo em um livro de montaria que, aparentemente, nada tem a ver com esses condicionamentos superiores aos quais nos referimos.

D. João I de Portugal escreveu um desses livros, e é interessante observar a associação que estabelece entre a caça ao monte, o exercício dos deveres do rei e a responsabilidade deste perante Deus.

Para ele os “jogos” serviam para evitar que os reis, estando em paz prolongada, ficassem enfadados e não se desincumbissem das suas tarefas principais, quais sejam, reger e defender o reino (29). Para o fundador da segunda
dinastia portuguesa, todavia, um desses “jogos” — o da montaria era o ideal. Através dele se “repaira o entender” se “guarda o uso das armas”; era o “jogo dos rreyes” (30).

Guardadas certas restrições — como o vício às caçadas, em detrimento do regimento do reino (31) – a montaria proporcionava aos reis o estado de espírito e a forma física adequada para o desempenho de suas funções. E isso era muito importante, pois afinal, o rei era tido como o grande responsáve1 pelo povo; dele dependia, segundo a doutrina da época, o bem ou o mal que adviesse ao reino, porque o povo penava pelos pecados do rei (32).

Esta concepção, expressa quase que literalmente por D. João I, enquadra-se perfeitamente na teoria do “direito divino” dos soberanos, pois, sendo vigários de Deus, a Deus deviam prestar contas de seus atos (33). Daí a grande preocupação dos reis em administrar a justiça com temor de Deus (34). Isto não quer dizer que a justiça fosse igual para todos, ou melhor dizendo, que as penalidades fossem iguais. Os castigos variavam de acordo com a condição social do individuo.

Embora isto nos pareça hoje extremamente injusto, a idéia de desigualdade estava de tal forma arraigada nos espíritos medievais que era aceita como inevitável na sociedade política (35). Santo Agostinho afirmando que

“A ordem é a disposição dos seres iguais e desiguais, designando cada um o lugar que lhe convém”

e São Tomás dizendo que

“A diversidade das coisas não exige que todos sejam iguais, mas que haja uma ordem e uma graduação entre as coisas” (36),

foram, por certo, grandes responsáveis pela disseminação dessas idéias de desigualdade, que às vezes assumiam um tom grotesco, a exemplo da comparação feita por D. João I entre seres humanos e cães (37).
Também não se pode afirmar que os soberanos se utilizavam do conceito do “direito divino” hipocritamente apenas como forma de se imporem ao povo, explorando sua ingenuidade. Acreditavam que alcançavam este estado por vontade de Deus. E o temiam porque também era sincera a crença de que prestariam contas de seus atos a Ele. Ao menos não faltam exemplos significativos.

D. João I, ao iniciar o “Livro Terceiro da Montaria”, nos dá uma mostra do seu temor e respeito a Deus (38), e D. Duarte, no seu “Leal Conselheiro”, também atribui a Deus as obras dos homens (39).

Idêntico amor e temor que eram devidos a Deus pelos soberanos eram exigidos por estes, em relação ao povo, e se houvesse de faltar um destes dois sentimentos, que faltasse o amor (40). Exemplo deste conceito nos revelou de forma trágica, o cruel rei castelhano, D. Pedro, que não sendo amado por seu povo, era temido pelos crimes violentos que praticava (41).

Para D. Duarte, as virtudes consideradas principais – prudência, justiça, temperança e fortaleza – eram mais necessárias aos grandes senhores, do que às pessoas de menor condição. Não só o indivíduo seria prejudicado senão as possuísse, mas também sua alma, seu estado e, inclusive, as pessoas do seu senhorio. Tudo, portanto, estaria em
“gram perdiçom” (42)

em funcão dos pecados dos senhores. Que dizer do rei, o mais importante senhor do reino?
Continuemos seguindo a linha de raciocínio de D. Duarte

“... os reynos nom som outorgados para folgaça e deleitaçom, mas pera trabalhar de spritu e corpo mais que todos, pois que tal ofício que o senhor nos outorgou he mayor e de muy grande merecimento aos que o bem fezerem, na vyda presente e que speramos. E assy per contrairo a quem o mal governar...” (43).

O dizer — “leva uma vida de rei” — para quando queremos afirmar que alguém tem uma vida boa, será sempre impróprio se considerarmos o conceito de D. Duarte. Note-se que, ser rei é um ofício, e por ofício se entende: profissão, encargo, emprego; nunca “folgança e deleitação”. Esse encargo, o rei recebia de Deus, para que velasse por seu povo na terra (44), portanto, nada mais natural que devesse prestar contas de seus atos a Ele.

Para não corrermos o risco das generalizações, embora aqui elas não fossem tão imprudentes (45), tomemos um outro exemplo que bem denota a preocupação do rei com os encargos de sua função. Ele se encontra na obra de D. Duarte, quando relata que seu pai – D. João I – sentindo os encargos dos reis, mandou bordar em uma roupa um camelo – representando a besta que maior carga suporta – carregando quatro sacos nos quais se liam os dizeres: “temor de mal reger”; “justiça com amor e temperança”; “contentar corações desvairados”; “acabar grandes feitos com pouca riqueza” (46).

Mas não se restringe ao Pai e ao filho, a preocuação de bem reger, pois, os soberanos medievais, de modo gera1, também a cultivaram. A evocação da misericórdia divina como ajuda espiritual era muito freqüente. As palavras iniciais do testamento de D. Pedro I, além de conter uma

“certa filosofia de morte” (47)

denotam o temor da mentalidade coeva às contas finais.

“Porque nenhuma couza he mais certa que a morte, a qual he natural, e geral a todolos homens, asy Reys, princepes, e poderosos, como aos nom poderozos, e a ora dessa morte não he certa, quando ha de ser, e assim como de muy sospeita no coraçom, e mente de cada um fiel christão, deve ser receada, e per ordinhaçon do prestomeiro juizo deve ser preuenida para saude, e prol a alma, e disposiçõm dos bens temporaes a louvor de deos, e a seu servisso maiormente para aqueles, a que deos em este mundo deu honras, e exalçamentos de grandes estados. Porém nos Rey D. Pedro filho do muito alto, e muy nobre Rey Dom Affonso de Portugal o quarto, a que deos perdoe, temendo Deos, que he Rey Celestial todo poderozo, e o seu juizo, confiando da sua muy grande misericordia, e da muy gloriosa Virgem Santa sa Madre em nossa vida, e em cada nossa descripçom, e entendeimento comprido, ordenhamos e fazemos nosso testamento por esta guisa...” (48).

Na hora de sua morte, D. Fernando nos oferece outro exemplo contundente do temor dos reis à justiça divina. Vestindo o hábito de São Francisco e chorando copiosamente recebia o sacramento pronunciando comoventes palavras de arrependimento.

“Tudo esse creo come fiell christaão, e creo mais que elle me deu estes regnos para os manteer em direito e justiça e eu por meus pecados o fiz de tall guisa que lhe darei d’elles mui maao conto” (49).

Depois da fuga de Aljubarrota, D. João I, de Castela, convocou as cortes de Valladolid, através de carta passada em Sevilha, a 29 de agosto de 1385. Em duas passagens deste documento pode-se verificar que o rei castelhano atribui seu clamoroso fracasso militar a um castigo divino pelos seus pecados (50).

Se o rei não fosse justo, haveria de se dar mal na hora do acerto de contas com Deus. Por outro lado, se lhe adviesse alguma adversidade na terra, mesmo sendo pelos seus pecados, haveria sempre o consolo de que as privações eram como que ingressos numerados para a paz eterna. Na carta de pêsames pela derrota de Aljubarrota, enviada pelo papa de Avinhão Clemente VII a D. João I de Castela, se nos apresenta claramente a evidência da recompensa eterna pelos sofrimentos na terra (51).

Temos demonstrado que a teoria do direito divino era como que uma espécie de faca de dois gumes para os soberanos: por um lado, dava ao rei o amparo para a institucionalização de seu poder; por outro, estabelecia uma dependência à vontade divina que o obrigava, moralmente, a ser justo com seu povo. Por isso que o rei medieval era tido como um patriarca, como um vigário de Deus na terra, dispondo de poderes que deveriam ser usados para o bem comum. Em troca de fidelidade e obediência que lhe dedicava o povo, deveria zelar pela ordem social, através da distribuição, da justiça (52).

Mas, dissemos anteriormente, que o rei estava sujeito a dois superiores: Deus e o direito. No que concerne ao primeiro, cremos ter demonstrado sua validade através dos exemplos tomados aos próprios soberanos e que estão supra mencionados. Procuraremos agora estudar o direito vigente na época em que foram escritas as crônicas por Fernão Lopes.

O período da história portuguesa abrangido pelas crônicas de Fernão Lopes, caracterizou-se pela existência de múltiplas fontes jurídicas. Vigorando simultaneamente, embora para casos diversos, encontravam-se as leis do reino, o direito romano, o direito canônico, o direito consuetudinário (53), e códigos castelhanos impregnados de boa dose de direito romano (54).
As leis nacionais incluíam as leis gerais promulgadas por cada monarca, os forais, acrescentados de tradições e costumes locais, as concordatas com a Igreja, costumes e regulamentos seguidos na corte e até a autoridade de alguns legistas mais cotados. O primeiro “corpus”, incompleto, de todas essas leis apareceu só em fins do século XIV: foi o chamado “Livro das Leis e Posturas” (55).

“O renascimento do direito romano, no século XII, chegou a Portugal muito cedo, pelos meados da centúria, mas suas aplicações práticas demoraram mais tempo” (56).

Todavia, uma vez em uso, consagrou-se pela sua utilidade, durante muito tempo; inclusive, mesmo após a vigência das Ordenações Afonsinas, verificava-se sua utilização. A carta de 18 de abril de 1426, com a qual D. João I remeteu à Câmara de Lisboa, um exemplar do Código de Justiniano, com as glosas de Acúrsio e os comentários de Bártolo, tanto para melhor habilitar os magistrados nos seus julgamentos como para que as partes interessadas conhecessem e defendessem os seus direitos; a escritura de 28 de janeiro de 1466, pela qual se obrigou João Fernandes, estudante de leis, a restituir à Câmara “cinquo liuros” que esta lhe emprestara

“q som huu corpo de lex, cõuem a saber: - huu volume, e huu codigo, e huu dijeesto nouo, e outro dijeesto uelho e huu esforçado, para por eles aprenderem escollares e filhos de cidadaãos
e parentes seus, que aprender quisessem de direito”;

a Carta patente de 25 de abril de 1475, pela qual D. Afonso V deu a seu filho todos os poderes para exercer regência, não omitindo a faculdade de fazer e revogar leis, e fazendo expressa menção, para este efeito, da legislação nacional e da legislação romana (57) constituem provas insofismáveis do cultivo do direito romano inclusive em período subseqüente à Revolução de 1383-1385.

O direito canônico, constituído do Decretum ou Decreta de Cratianus; pelas Decretaes de Cregório IX; o Liber Sextus Decretatium, ou Decretaes de Bonifácio VIII; as Clementinas ou Libri Clementinarum (58)

“manteve-se pela tradição de respeito geral às leis eclesiásticas, e ainda pela necessidade de o tomar como subsidiário em tantas deficiências que oferecia o direito romano e a legislação civil portuguesa” (59).

Em dado momento, quando o direito canônico parece ter sido relegado a um plano secundário, o clero protestou reclamando a D. Pedro I providências no sentido de não permitir que o direito castelhano gozasse de maior prestígio em relação àquele dentro do reino português (60). Esse dado, sem dúvida, comprova que as Partidas eram utilizadas sem maiores problemas nos dois reinos, em que pese o questionamento do clero.

Também o direito consuetudinário vigorava na época da qual estamos nos ocupando, tanto nos casos não previstos em leis como naqueles em que a lei mandava observar os costumes (61). É interessante notar, inclusive, que os reis não inovavam em termos de legislação, apenas consolidavam os costumes existentes, numa tentativa de sistematizar a desorganizada legislação coeva (62).
Não são raros os exemplos existentes quanto ao posicionamento firme e resoluto das diversas camadas sociais diante do rei, exigindo a observância dos costumes; ele é sentido principalmente nas Cortes. As de Évora, realizadas em 1481-1482, traduzem essa espécie de pacto existente entre o rei e o povo porque nelas se encontra claramente expressa a idéia de que

“asi como toda comunidade dos sobjeitos e simgolarmente cada huum do pouvo deve obedecer e servir com Amor e temor Reueremciall ao príncipe segundo doutrina do apostollo que nos encomenda obediência aos Reis polla sua grande excelemcia: asi he necessario que elle a todos deva defenson graciosa bemfeitoria e amor paternall. E pois a fremosura e fortalleza do Rey he ho seu pouoo muito e deue piedosamente trautar e verdadeiramente amar e defemder com justiça pella qual cousa se lhe seguira grande merecimento ante deus e louor amtre os homens podendo dizer coobemnauenturado euangelista em pessoa de noso saluador Jehu Christo deu eu nom perdi alguum daquelles que me encomemdaste” (63).

Após o que foi exposto sobre a expectativa dos contemporâneos em torno da justiça, quer nos parecer ter-se por certo que todas as camadas sociais, de uma forma ou de outra, se curvavam diante da justiça Real. Afina1, a opinião de Santo Agostinho,

“Remota itaque justitia, quid sunt nisi magna latrocinia?”

(“se for eliminada a justiça, o que serão os reinos senão um grande latrocínio?”) era compartilhada por todos os espíritos medievais. Seria, portanto, até insensato pensar - se aprioristicamente que Fernão Lopes formasse uma idéia muito diferente sobre o assunto.


(1) Cf. H. da GAMA BARROS. História da Administração Pública em Portugal... Op. cit., vol. II, p. 346.

(2) Côrtes de Santarém de 1331, citada por H. da GAMA BARROS. Op.cit., vol. II, p. 418.

(3) Côrtes de Lisboa de 1371, citado por GAMA BARROS. Op. cit., vol. II, p. 418.

(4) Côrtes de Santarém de 1434, citado por GAMA BARROS. Op cit., vol. II, p. 419.

(5) Côrtes de Santarém de 1434. Fortunato de ALMEIDA. História de Portugal. Op.cit., vol. III, p. 176.

(6) Cf. H. da GAMA BARROS. Op.cit., vol. II, p. 423.

(7) Art. 60 das Côrtes de Lisboa de 1371 e Côrtes do Porto de 1372, citadas por GAMA BARROS. Op.cit. , vol.1I, p. 423.

(8) GAMA BARROS. Op.cit., vol.II, pp.396, 4l9-420 e Fortunato de ALMEIDA. Op.cit., tomo III, pp. 182—183, citam estes abusos, amparados nos canpítulos das Côrtes, d’ Elvas de 1361, Côrtes de Lisboa 1389 e Côrtes de Coimbra de 1398

(9) Côrtes de Coímbra de 1394, citada por GAMA BARROS. Op.cit., vol.II, p. 471.

(10) Reclamações extraídas das Côrtes de Lisboa de 1371, citadas por GAMA BARROS. Op. cit., vol. II, pp. 423 e 425.

(11) A referência foi tomada às Côrtes do Porto de 1372, todavia “appellar para el-rei, como justiça maior, deduz- se logo das leis geraes de 1211”. Cf. GAMA BARROS. Op.cit. vol. II, pp. 423 e 425.


(12) Cf. GAMA BARROS. Op.cit.,vol.II, p. 397.

(13) Deve ser entendido que não se esta definindo burguesia à luz de conceitos modernos. Preferimos para o caso, a definição de OLIVEIRA MARQUES, exposta no Dicionário de História de Portugal. Lisboa, Iniciativas Editoriais, 1960-70, dirigido por Joel SERRÃO, vol.I, p. 395: “poder-se-iam considerar os burgueses da Idade Média como representantes de grupos humanos que residem numa cidade, se dedicam ao comércio e ao artesanato e criam uma forma de vida adaptada a essas condições...”.

(14) Cf. Jayme CORTESÃO. Os fatores democráticos... Op.cit. pp. 167-170.

(15) Bernard GUENÉE. Op.cit. , p. 237.

(16) Eduardo D’OLIVEIRA FRANÇA. O poder real... Op.cit. , p. 113.

(17) Bernard GUENÉE. Op.cit. , p. 238, analisando a ascensão dos legistas na Europa considera que “o século XVI está prestes a transformar os funcionários da justiça num quarto estado”. Já Eduardo D’ OLIVEIRA FRANÇA. O poder real... Op.cit. , p. 151, considerando o caso específico português diz “que no século XV eles (os legistas) passaram a ser vistos como um verdadeiro estado do reino – um quarto Estado”.

(18) Bernard GUENE. Op.cit. , p. 192 acha que “a tradicional divisão tripartida camufla uma diversidade antes de ressaltar uma realidade e, mesmo assim, com freqüência a camufla bem mal”. Isto de fato e verdadeiro, todavia antes do sécu1o XVI não se pode ainda falar em legistas como grupo social consciente de sua originalidade. No século XIV esse grupo ainda construia sua autonomia, daí sua inclusão dentre as chamadas camadas populares.

(19) Cf. sobre o assunto GAMA BARROS, Op.cit., vol.2, p.345.

(20) É verdade que aqui se enquadra mais uma vez a afirmação de GAMA BARROS, Op.cit., vol.2, p.397 de que “a intensidade das pretensões dos poderosos estava na razão inversa do grau de firmeza que ellas encontravam no poder central”; todavia, mesmo em momentos cruciais, os reis jamais deixaram de afirmar que a eles pertencia o mais alto senhorio.

(21) Cf. A.H. de OLIVEIRA MARQUES. Op.cit., pp. 128-129.

(22) Joham HUIZINGA. O declínio... Op.cit., p. 24.

(23) Cf. entre outros, os seguintes exemplos de extrema fidelidade narrados por Fernão LOPES. Na Crônica de D. Fernando, os capítulos XLI e LXXIX e, na Crônica del Dom Joham I, os capítulos XIX, XXII, CLIII. Podemos afirmar ainda que os homens desta época amavam mais seus senhores que a própria terra natal. Tanto a passagem de fidalgos castelhanos para o lado de D. Fernando, quando de suas guerras com Castela, como a passagem de boa parte da nobreza portuguesa para o lado castelhano durante a Revolução de 1383-1385, são exemplos típicos de fidelidade ao Senhor, não se podendo considerar tais atitudes como sendo traição.

(24) GAMA BARROS. Op. cit., vol. 2, p. 389, nota 3, acentua que dos treze reinados decorridos até D.João II, em apenas cinco não houve guerra civil em Portugal.

(25) A.H. de OLIVEIRA MARQUES. Op. cit., pp. 128-129.

(26) Eduardo D’OLIVEIRA FRANÇA. Op. cit, p. 89.

(27) Mesmo D. Fernando, considerado por muitos — embora com certa dose de injustiça — como um rei de ânimo fraco, não abria mão de suas prerrogativas de “mais alto senhorio”, O exercício de jurisdição nas terras dos arrendatários foi regulada por lei de sua autoria de 13 de setembro de 1375: “em todas as doações se devia sempre entender, que ficava reservado quanto pertencia ao supremo e real senhorio”. Cf. Fortunato de ALMEIDA. Op. cit., p. 32.

(28) Cf. Eduardo D’OLIVEIRA FRANÇA. Op. cit., p. 80.

(29) “Muyto foram auisados os antiguos em se prouerem das cousas contrarias que lhes poderiam auir. E uirom em como o estado dos rreys esta em duas cousas, em o saber reger e defender, e como estas cousas se poderiam perder, se não ouvesse em como fossem guardadas, ca estando os rreys em paz prolongada, com os longos desembargos, que se fazem continuadamente, muytas vezes, por esta cousa recebe o entender tal cansaço que em nenhuma guisa nom pode chegar com aquella força nem com aquella agudeza, que se devia chegar aos desembargos; outrossi a defensom se perderia muy toste, se o uso das armas nom ouvessem: e porem assacarom os antigos taaes maneiras, per que se pudesse recrear o entender; e que o cansaço nom fosse tal que por elle deixasse de fazer o que deuia... “D. JOÃO I. Livro de Montaria. Coimbra, Imprensa da Universidade, 1918, p. 4.

(30) D. JOÃO I. Op. cit., p. 29.

(31) Idem, pp. 38-49.

(32) “... por vezes pena vem aos povos pelos pecados dos rreyes, e nunca foi achado que o rrey fosse penado pelos pecado do povo...” D. JOÃO I. Op.cit., p. 29.

(33) “... ca o rrey em todallas cousas que diz, e faz, deve a parar mentes em como as faz, que assim sejam feitas, que por elas de bõo conto a Deus de si, que o fez rrey...” D.JOÃO I. Op. cit., p. 38.

(34) “... ca aquello que o rrey he theudo de fazer, assi a de fazer em tal quisa, (...) que faça sempre dereito, e justiça com temor de Deus”. D. JOÃO I. Op. cit. p. 44.

(35) Bernard GUENÉE. Op.cit. , p. 90.

(36) Citados por Bernard CUENE. Op. cit., p. 90.

(37) Esta comparação, de certo modo grosseira, a que nos referimos feita por D. JOÃO I no seu Livro da Montaria p. 68, nos oferece uma idéia da discriminação social acerca do castigo. “... seiam também certos todollos monteiros, que os alãaos som a mais linda casta de caães, que todallas as outras que Deus fez, e nos conhecemos e porque todallas cousas se querem castigar segundo sua natureza, assim como em hum filho de hum grande que fosse de grande linhagem, nom compria que fosse castigado como castigam o filho de hum azamel, assi nom deuem castigar hum alãao como hum podengo de mos tra...”.

(38) “... acorremos a ti, Senhor Deus, (. . .) que fezeste todo o mundo, e he em no teu poderio, e o reges em tua sabedoria, em tal guisa, Senhor, he que nenhua cousa nom he fora do teu poderio”. D.João I. Op. cit., p. 324.

(39) Cf. em D. DUARTE. Leal Conselheiro. Lisboa, Livraria Bertrand, 1942, pp. 223-225, as seguintes passagens: “sem mym cousa nom podees fazer” (extraido de São João XV, 15). “Os pássaros na praça se nom vendiam sem nosso padre que he nos ceeos” (São Lucas, XII, 6); “... todas as cousas que nos venham som per ordenança de nosso senhor Deus...”; “quando nos veher (grande hem), nom a nos mas ao Senhor demos glória” e quando “... soframos o que nos contrairo parecer, que nos vem per ordenança de nosso ssenhor Deus, ermendando nossos falycymentos”.

(40) “... todo o princepe ou senhor, que algiia terra deua reger, que nunca bem a pode reger, se non for temido e amado: empero que quando alguiía destas ouuesse de desfaliecer, que antes desfaliecesse o amor, que o temor
porque’ • ..ca dizem os legistas que uergonhosa cousa he ao emperador e mingua de seu estado poer leis, e nom se dar a execuçom”. D• JOÂO 1. Op.cit. p. 326.

(41) Cf. Ferno LOPES. Cr6nica do Senhor Rei Dom Pedro, es
pecialmente os capítulos XX eXXT. —

(42) Cf D. DUARTE. Op. cit., p. 209.

(43) D. DUARTE. Op. cit., p. 209.

(44) Este conceito pode ser encontrado em D. JOÂO I. Livro de montaria, p. 29, na passagem que diz “que por vezes pena uem aos poucos pollos pecados, dos rreyes, e nunca foi achado que o rrey fosse penado pollo pecado do povo (...); E porem bem parece que os tem Deus por seus; pois que os pena pollo que el rrey faz, ca se os tanto nom tivesse por seus, nom os penaria pollo que elle fizesse...”.

(45) Cf. GAMA BARROS. Op. cit., vol. 2, p. 414.

(46) D. DUARTE. Leal Conselheiro. Op. cit., pp. 209-210.

(47) Cf. Joaquim VERÍSSIMO SERRÃO. História de Portugal: Formação do Estado Moderno (1415-1495). Vol. I. Lisboa, Editorial Verbo, 1978, p. 385.

(48) D. Antonio Caetano de SOUZA. História genealógica da Casa Real Portugueza, desde a sua origem até o presente com as Famílias IIIftres, que procedem dos Reys, e dos Sereniffimos Duques de Bragança. Tomo I, Livro II.Lisboa, Joseph Antonio da Sylva, 1946, pp.335-336. Apud Joaquim VERRÍSSIMO SERRÃO. Op.cit., p. 385.

(49) Cf. Fernão LOPES. Crônica de D. Fernando. Cap. CLXXIII ,p.594.

(50) “Bien sabeis, como por otras nuestras cartas os embiamos à contar el mal e daño i pérdida, que nos sucedió à nos, i á los nuestros por nuestros pecados, i de lo nuestros (...) i por nuestros pecados fuimos vencidos”. O documento foi publicado na íntegra por Alfredo PIMENTA. Fontes Medievais de História de Portugal. Lisboa, Sá da Costa, 1948, pp. 259-262.

(51) “Também deves saber que aquelle a quem deos ama a esse castiga e corrige. E se ferio o chagou a teu pé, Deos he quem sara as chagas, e cura as feridas. E se de certo elle te castiga, e te fere, deves sofrer a tua dor com muita paciência, e se te converterá em gozo e contentamento; segundo a grandeza da dor, assim será a consolação da tua alma: que prova Deos os homens da sua misericordia, e porventura te affige, e te castiga neste mundo nos bens e cousas temporaes, para que não sofras depois os incendios eternos”. A tradução desta carta — originariamente em latim — é publicada na íntegra por Fernão LOPES. Crônica Del Rei Dom Joham I, parte segunda, cap. LXVIII, pp. 162-163 e por Alfredo PIMENTA. Fontes Medievais... Op.cit., pp. 263-265. As diferenças entre uma tradução e outra são mínimas. Nos aproveitamos, nesta nota, do trabalho de PIMENTA, que reproduziu o texto do Cardeal Saraíva, e este por sua vez, fez uma tradução “libérrima” de Lopes de Ayala.

(52) Sobre a teoria do direito divino dos reis deve-se ver especialmente, Eduardo D’OLIVEIRA FRANÇA. Op.cit., pp. 79 e segs. Paulo M. MEREA. “As teorias políticas no “Tratado da Virtuosa Bemfeitoria”. In Revista de História (Lisboa), 8:8-21, 1919 (Livraria Clássica Editora).

(53) Numa carta de arras passada por D. João I a Fernando de Noronha em 18 de outubro de 1430, o rei fazia menção a todas essas fontes jurídicas. Cf. Fortunado de ALMEIDA. Op. cit., tomo III, Livro VI, p. 7.

(54) A.H. de OLIVEIRA MARQUES. Op. cit., p. 144.

(55) A. H. de OLIVEIRA MARQUES. Op. cit., p. 144.
(56) Idem.

(57) A carta régia de 18 de abril de 1426, de D. João I; a escritura de 28 de janeiro de 1466 e a carta patente de abril de 1475 encontram-se citadas in: Fortunato de ALMEIDA. Op. cit., pp. 9-12.

(58) Cf. J. Izidoro MARTINS Jr. História do direito nacional. Rio de Janeiro, Empreza Democrática Editora, 1895, pp. 42-43.

(59) Cf. Fortunato de ALMEIDA. Op. cit., p. 12.

(60) No artigo 24 das Cortes d’Elvas consta a seguinte reclamação do clero ao rei D. Pedro I, sobre a utilização do direito castelhano, em detrimento do canônico: “E he mais razom de o guardarem em todo o nosso Senhorio... que as Sete Partidas, feitas por El-Rey de Castella, ao qual o regno de Portugal nom he sobgeito; mas bem livre, e izento de todo”. Cf. Antonio Caetano do AMARAL. Memória V: para a história da legislação e costumes de Portugal. Porto, Livraria Civilização Ed., 1945, p. 214.

(61) Tanto nas Ordenações Afonsinas como nas Manuelinas pode-se ainda notar a vigência dos costumes antigos. Nas Ordenações Afonsinas I, II, tit. IX encontramos: “...quando alguu caso for trazido em prática, que seja determinado por algua Ley do Regno, ou estillo da nossa Corte, ou costume dos nossos Regnos antigamente usado, seja per elles julgado, e desambargado finalmente, nom embargante que as Leys Imperiaaes acerca do dito caso ajam deposto em outra guisa” e nas Ordenações Manuelinas I.II. tit. V foi acrescentado que “... onde a Ley, Estilo ou Custume do Reyno despoem, cessem todas outras Leys e Díreitos”. Cf. Fortunato de ALMEIDA. Op.cít., vol.2, p. 18.

(62) As resoluções inovadoras do príncipe somente se fazem sentir com o advento do absolutismo. Cf. Eduardo D’OLIVEIRA FRANÇA. Op. cit., p. 82.

(63) Cf. SANTARÉM. Mem. para cortes, II, 2º., p. 60. Apud Eduardo D’OLIVEIRA FRANÇA. Op. cit., p. 165. Vide ainda a nota 61 deste capítulo.