PARTE I


FERNÃO LOPES E SEU TEMPO

Capítulo I - ASPECTOS DA VIOLÊNCIA NO FINAL DA IDADE MÉDIA

Para este trabalho, e muito especialmente no que concerne a este capítulo, pretendemos, na medida do possível, colocarmo-nos diante da realidade a ser estudada, não com os olhos críticos de indivíduos do século XX, mas com a preocupação de compreensão dos anseios e da mentalidade do povo de uma época determinada. Para sermos mais claros que almejamos não nos impressionar com atitudes hoje consideradas aberrantes, nem nos condoermos com atos que seriam considerados desumanos em nossa época, fazemos nossas as palavras de Jayme Cortesão ao ensinar que


“as fontes do passado devem ser lidas à luz da cultura geral que as ditou e dos interesses, confessados ou ocultos, que podiam mover a pena do autor e obriga-lo a deformar ou calar a verdade” (1).

Procuraremos retratar, antes de tudo, dentro da cultura geral da época medieval, que ó objeto de nosso estudo, os costumes violentos e, em segundo lugar, analisaremos as possibilidades de se enquadrar Fernão Lopes – de cujas crônicas nos utilizamos para estudarmos a imagem real como fonte de justiça — no contexto da época.

As crônicas de Fernão Lopes compreendem o período que se iniciou com a ascensão de D. Pedro 1 em 1357, e foi at5 1411, data da assinatura do tratado de paz com Castela, durante o reinado de D. João I. São, portanto, abrangidos em seu trabalho 54 anos que, se podem significar largo espaço de tempo para apenas três reinados, são irrisó rios diante da magnitude do processo histórico. Estudar os costumes desse período talvez fosse o ideal para a consecução de nossos objetivos, todavia seria tarefa que justificaria trabalho ainda maior que este.

Generalizar poderia parecer temerário, mas, hoje se considerar que os costumes de um povo não mudam repentinamente, especialmente em se tratando da época medieval, onde a transformação se realizava lentamente devido, principalmente, as dificuldades de comunicação.

Portanto, se não julgamos impróprias certas generalizações dos costumes medievais, embora muitas vezes tenhamos que nos utilizar de acontecimentos cronologicamente separados por mais de um século (4), não podemos, por outro lado, admitir sem nenhuma reserva, uma similitude de costumes para todas as regiões da Europa Ocidental.

Mesmo considerando que a Europa Ocidental se encontrava no período que estamos estudando, sob a égide do feudalismo, não poderíamos abusar das generalizações (5). Um sistema econômico, político e social, por mais bem estruturado que seja, por mais solidificado que esteja, não deixa de apresentar variações de um lugar para outro.


“A História e a Geografia”

diz Guenée,

“criaram meios tão diferentes que marcaram os Estados de formas diversas. Mesmo que se suponha que um ou outro tenha sofrido evoluções semelhantes, nem todos passaram por essas evoluções necessariamente ao mesmo tempo”(6).

Uma questão que poderíamos levantar para demonstrarmos a inviabilidade das generalizações, seria a da existência ou não do feudalismo em Portugal. Vários autores preocuparam-se em abordar tal tema. Para uns o feudalismo manifestou-se em sua plenitude naquele reino, para outros não; uns terceiros admitem que certas formas Feudais eram comuns em toda a Europa (7). Ora, se sobre o sistema vigente em um dos menores reinos medievais há opiniões divergentes, que dizer sobre a totalidade da Europa?

Quer-nos parecer que as próprias condições materiais da época não favoreciam o cosmopolitismo, que a diversidade era patente. Todavia, além dessa diversidade há de se considerar que a Europa participava de uma mesma atmosfera religiosa, cultural e política, possibilitando aos homens dos séculos XIV e XV uma percepção de unidade profunda que lhes permitia falar de Cristandade, de latinidade, de Europa e de Ocidente (8).
Da mesma forma como essa idéia de Cristandade e de latinidade não pode ser negada, também não se pode negar que os costumes violentos eram mais ou menos generalizados em toda Europa, no final da Idade Média. A prática destes costumes, é verdade, estava de certa forma condicionada por fatores que a regulamentavam de região para região, sendo tanto mais violenta quanto fossem menores os efeitos coercitivos ou moralizantes destes fatores (9).

O motor gerador da violência poderia ser encontrado nas

“condições gerais do nível histórico de desenvolvimento técnico-econômico” (10)

no

“estágio inferior da civilização da época medieval” (11),ou no próprio nível sócio-institucional de desenvolvimento das estruturas do Estado, mas as origens pouco importam a este trabalho e sim a evidência manifesta de costumes violentos. Huizinga nos oferece um quadro geral bastante claro a respeito desses costumes: sigamos por um tempo a segura concepção traçada por ele (12).

Constatava-se, na Idade Média, uma receptividade muito grande para as emoções, as lágrimas, e os arrebatamentos do espírito. As paixões eram manifestadas irrestritamente tanto pelos grandes senhores como pelo novo simples, os sentimentos que consideramos extremos nos tempos atuais como o ódio e o amor, a crueldade e a ternura, o castigo cruel e o perdão, por incoerente que possa parecer à primeira vista, encontravam-se tão próximos que seria difícil encontrar num homem medieval apenas a manifestação singular de qualquer um deles.

O homem medieval não hesitava; as concepções que possuía eram, para ele, certas e inabaláveis. O céu existia como prêmio aos justos, o inferno para o eterno castigo aos maus; o direito era absolutamente fixo e certo, a quem o infringisse não era dada nenhuma oportunidade de reajustamento na sociedade, deveria ser castigado, não importava o grau de crueldade da pena e, se perdão houvesse - como de fato havia em certos casos - não era tido em conta o merecimento, era gratuito, como o perdão divino.

A crueldade na aplicação da justiça ao contrário de causar repugnância ao povo, satisfazia-o, constituia-se em verdadeiro espetáculo. E nada nos indica que fosse o caso de manifestações tipicamente sádicas de uma sociedade. Afigura-se-nos muito mais correto admitir que a inabalável crença de que o criminoso merecia ser punido rigorosamente, numa época de tanta insegurança, fosse o móvel principal desta euforia que contagiava o povo ao ver os condenados pagando por seus erros.

A aplicação da justiça era vista como uma fonte de vingança, levada a efeito por quem de direito que, de fato,se substituía aos familiares ultrajados ou à própria sociedade para aplicar o castigo tão, ou mais cruel, que o próprio delito. Ademais havia a hipótese de que uma pena severa serviria de exemplo.

Prova insofismável desse caráter de vingança, encontramo-la freqüentemente nas guerras particulares de famílias - principalmente entre as nobres, talvez não existir sobre elas maior acervo documental do que sobre qualquer outra classe social – que sobrepondo-se justiça real degladiavam-se com freqüência em sanguinolentas lutas para resolverem questões de propriedade, de raptos e de honra que, no fundo, não passavam de cobiça pelos bens do próximo.

Tudo isso, numa sociedade em que a justiça não era igualitária - atos que levavam um homem de baixa condição social à força poderiam nada resultar para um grande senhor - , onde, predominando a força e o privilégio, havia lugar para as paixões desordenadas e brutais (13).

Esse quadro geral se nos afigura perfeitamente aplicável aos reinos enfocados nas crônicas que ora são objeto de nosso estudo (14). Resta estudarmos a possibilidade de sepoder enquadrar seu autor neste contexto, ou, em outras palavras, analisarmos se Fernão Lopes reflete em sua obra essa idéia de violência comum à época que descreveu.

De início um forte argumento. Fernão Lopes atribui acentuada importância à justiça, que para ele a mãe de todas as virtudes (15). Nenhuma outra supera-a em termos de valor moral: nem mesmo a temperança e a castidade, tão caras ao homem medievo. Ora, sabemos que os homens mais clamam por justiça em épocas de instabilidade - pois nestes períodos que mais sofrem a arbitrariedade da prepotência dos donos do poder - portanto, colocando esta virtude no cimo, em relação s demais, Fernão Lopes estaria por certo retratando o anseio próprio de uma roca onde a

“insegurança crônica, tornava desejável a maior severidade possível por parte das autoridades” (16).

Além disso, em vários acontecimentos narrados por Fernão Lopes, podem ser detectados traços da violência que imperava em sua época.

Durante mais de sete anos o reino de Castela viu-se envolvido em luta fratricida entre o partido de Henrique de Trastâmara e Pedro, o Cruel, pela disputa do trono castelhano. Guerra civil na qual D. Pedro I, desenvolvendo uma política radical contra a aristocracia, para atender às suas pretensões de fortalecimento das prerrogativas monárquicas, cometeu toda sorte de violência (17).

D. Pedro I, de Portugal, levantou contra seu próprio pai a bandeira de guerra devido a Inês de Castro. O episódio é conhecido. Inês de Castro era irmã de Álvaro Pires de Castro, ambos filhos naturais de Pedro Gonçalves, poderoso fidalgo galego. Quando D. Pedro, herdeiro do trono português, casou-se com D. Constança, entre as damas que a acompanharam estava Inês de Castro, cuja beleza fascinou o futuro rei. De nada adiantou o esforço desenvolvido por D. Constança no sentido de separar os amantes através dos laços de compadrio. Os seus amores tornaram-se políticos e as relações entre ambos foram intensificadas após a morte de D. Constança (18). A conjuntura, política castelhana nesta época, envolvendo o partido do Conde de Transtâmara contra Pedro, o Cruel, numa guerra civil, tendeu a influir em Portugal visto pretenderem os revoltosos destronar o sucessor de Afonso XI e colocar em seu lugar o amante de Inês de Castro. Afonso IV, não pretendendo envolver o reino português na questão castelhana e suspeitando que a bela Inês pudesse ser um instrumento de traição inimiga fez-la degolar. D. Pedro tão logo soube do sucedido reuniu as suas forças dos Castros e iniciou uma série de hostilidades contra o rei. A interferência da rainha D. Beatriz e de vários nobres portugueses, evitou a guerra civil. Após algumas violências na província de Trás-os-Montes e na região de entre Douro e Minho, pai e filho firmaram as pazes de Canaveses. Afonso IV perdoou com sinceridade, D. Pedro fingiu perdoar, apenas adiando sua vingança (19)

O povo de Lisboa não hesitou em amotinar-se por não julgar ser honroso para D. Fernando o seu casamento com Leonor Telles. Esse levante em si não chega a caracterizar- se como exemplo típico de violência da época, nem mesmo o castigoaplicado pelo rei aos cabecilhas do movimento constitui-se em acontecimento extravagante. De qualquer forma ele serve para demonstrar o caráter resoluto dessa gente (20).

Violento mesmo pode ser considerado um outro ato praticado por esse mesmo povo de Lisboa que, sem vacilação alguma, lançou ao fundo da torre da Sé o bispo de Lisboa e os que com ele estavam. O episódio passou-se no mesmo dia em que foi assassinado o conde de Andeiro, no início da Revolução que levou o mestre de Avis ao trono português. O bispo era castelhano e o povo de Lisboa, por desconfiar que não fosse do partido do mestre assassinou-o barbaramente (21).

No início de 1384, o novo de Évora tomou o castelo da cidade após ameaçar queimar as mulheres e crianças do Alcaide e dos seus acompanhantes - defendido em nome da rainha (22). Após a rendição, permitida a retirada dos vencidos, o novo foi tomado de tamanha sanha que abandonou seus chefes e passou a matar e roubar desordenadamente. A abadessa de São Bento, por ser “parenta da Rainha e sua criada”, ou ter repreendido as atitudes violentas da turba, foi brutalmente tirada de dentro da Igreja onde se encontrava, despida, assassinada e arrastada até as proximidades do curral das vacas onde seu corpo foi abandonado até à noite, quando às escondidas foi enterrada na Sé (23).

Durante a guerra entre D. Fernando e D. Henrique de Castela, a atitude de Afonso Lopes de Texeda, permitindo a morte de seus dois filhos, executados em sua frente, se não denotam costumes violentos, pelo menos denotam a rudeza de sentimentos do homem dessa época. O fato deu-se em Çamora: cercada pela rainha D. Joana, a cidade foi “preitejada” de forma que, se não lhe viessem reforços de D. Fernando dentro de determinado número de dias, seria entregue sem outra contenda. Para segurança dessa avença Afonso Lopes entregou à rainha seus dois filhos como reféns. Passados os dias combinados, mesmo não tendo recebido os reforços esperados, Afonso Lopes recusou-se a entregar o lugar. A rainha mandou levar os filhos de Texeda em local próximo ao muro da cidade, de forma a serem vistos pelos de dentro, para que fossem degolados caso não fosse cumprido o trato anteriormente feito. Texeda permanecia irredutível e de nada adiantaram as súplicas dos moços. Foram mortos em sua frente por tão pequena causa. A cidade foi logo após perdida e entregue a D. Henrique (24)..

Mesclada de violência e heroísmo também, pode ser considerada a atitude de Nuno Conçalves, que tinha o castelo de Faria por D. Fernando. Tendo saído do castelo para escaramuçar com os castelhanos que invadiam a reunião de entre Doiro e Minho, foi preso. Levado à frente do castelo que ficara sob o comando de seu filho, Nuno Gonçalves, ao invés de pedir-lhe que o entregasse, como era de se esperar nessas circunstâncias, advertiu-o de que somente deveria entregar o castelo a D. Fernando, sob pena de não receber a benção paterna. Os que o levavam preso ficaram surpresos com esse posicionamento e, após o matarem de “cruees feridas” atearam fogo nas choças periféricas morrendo queimados muitos dos que se encontravam dentro delas (25).

Deixadas de lado outras violências que aparecem com certa frequência nas crônicas de Fernão Lopes e, principalmente aquelas praticadas pelos reis, pois serão tratadas oportunamente neste trabalho, podemos concluir que dentro do quadro exposto, condicionado por estes costumes, o homem medieval criou uma expectativa de vida que, forjada pelas circunstâncias, levava à busca de proteção nos mais fortes ou, se quiserem, uma expectativa em torno de um ideal de justica que lhe garantisse a segurança necessária nara o convívio social.

Oliveira França define essa expectativa geral em torno de justiça afirmando que:


“Os povos, constrangidos pela necessidade, renunciaram à liberdade e elegeram reis e príncipes a fim de os regerem em direito e justiça, e a liberdade se sujeitou à justiça” (26).


É bem verdade que liberdade, para a época, não significava exatamente a faculdade de uma pessoa fazer ou deixar de fazer qualquer coisa por seu livre arbítrio, mas a noção que se tinha era de “liberdades”, no sentido de franquias, variáveis conforme o “status” jurídico de cada um. Verdade ainda é que a capacidade dos reis de sobreporem-se às forças particularistas era também muito variável.


(1) Cf. Jayme CORTESÃO. Os fatores democráticos na formação de Portugal. Lisboa, Livros Horizonte, 1974, p.4.

(2) É muito prováve1 que Fernão LOPES tenha escrito outras crônicas, além das de D.Pedro I, D.Fernando e D.João I; o próprio cronista nos leva a crer, em varias passagens, que escreveu sobre outros reis portugueses. Todavia, não cabe aqui entrar no mérito dessa questão. Cf. a respeito, entre outros: Torquato de SOUZA SOARES. Crônica de D. Pedro I. Lisboa, Livraria Clássica, 1963, pp. 38 e 44; Luiz Lindley CINTRA. Crônica del rei Dom Joham I, primeira parte. Lisboa, Imprensa Nacional, 1977, pp. 12-16; William J. ENTWISTLE. Crônica del Rei Dom Joham I, parte segunda. Lisboa, Imprensa Nacional, 1977, pp. XXIII-XXIV; P. E. RUSSEL. As fontes de Fernão Lopes, Coimbra, Coimbra Editora, s. d. , pp. 2, 9, 10 e 11.

(3) Cf. H. da GAMA BARROS. História da Administração Publica em Portugal. Lisboa, Sá da Costa, 1945, vol. II, pp. 413-414.

(4) Além da abalizada opinião de GAMA BARROS, sobre a lentidão na mudança dos costumes medievais, exposta na pagina anterior, não se deve deixar de levar em conta que também A. H. de OLIVEIRA MARQUES, alegando que “escasseiam as fontes informativas”, faz constantes generalizações dessa ordem ao tratar dos costumes portugueses em sua obra, A Sociedade Medieval Portuguesa. Aspectos da vida cotidiana. Lisboa, Sá da Costa, l971. Cf. por exemplo a sua afirmação feita à pagina 9, onde para demonstrar hábitos alimentares, cita algumas receitas culinárias do século XVI, dizendo que elas “se não devem distanciar muito das medievais (grifo nosso), excluindo o emprego abundante das especiarias”.


(5) Embora sendo para outro contexto diz Jayme PINSKI que “a verdade, na História, não é uma questão de palpite; as generalizações excessivas acabam escamoteando a verdade e portanto tendo um efeito contrário ao que deveriam ter”. Cf. Jayme PINSKI. Escravidão no Brasil. São Paulo, Global Editora, 1981, p. 64.

(6) Bernard GUENÉE. O Ocidente nos séculos XIV e XV: os Estados. São Paulo, Pioneira, Editora da Universidade de São Paulo, 1981, p. 63.


(7) Sobre as discussões em torno da existência ou não do feudalismo em Portugal, cf. entre outros: A.H.de OLIVEIRA MARQUES. História de Portugal. Desde os tempos mais antigos até o governo do Sr. Pinheiro de Azevedo. Lisboa, Palas Ed.,1977, pp.60 e segs. e 125 e segs.; Armando de CASTRO. A evolução econômica de Portugal nos séculos XII a XV. Lisboa, Portugal, 1964, vol. I, pp. 50 e segs.: J. Lúcio de AZEVEDO. Épocas de Portugal Econômico. Lisboa, Livro Clássica Ed. , l47, vol.II, pp. 468 e segs.; Eduardo D’OLIVEIRA FRANÇA. O Poder real em Portugal e as origens do absolutismo. São Paulo, Universidade de São Paulo, l946, pp. 4 e 28 e segs.; Marcelo CAETANO. “O Conselho de Lisboa na crise de 1383-1385”. Anais da Academia Portuguesa de História, série II, vol. IV, 1953, pp. 198-199; Joaquim VERÍSSIMO SERRÃO. História de Portugal: formação do Estado moderno (1415-1495). Lisboa, Ed. Verbo, 1978, vol.I, pp. 315—337.

(8) Cf, Bernard GUENE. Op. cit. , pp. 49-50.

(9) Dentre os fatores que coibiam a violência, as convenções cavaleirescas devem ocupar lugar de destaque. Claro que não se pode radicalizar tal afirmação a ponto de considerar-se os cavaleiros como exemplo de homens corteses, educados e gentis e, reciprocamente considerar-se embrutecidos aqueles que não participavam de nenhuma Ordem de cavalaria. A influência limitadora da violência que atribuímos às convenções podia se realizar de forma indireta. Portugal, por exemplo, não chegou a ter organizada nenhuma ordem laica, todavia, o código cavaleiresco se fazia sentir; basta ver a “Crônica do Condestabre de Portugal” na qual Nuno Álvares Pereira aparece como “autêntico espelho da cavalaria portuguesa, generoso para com os inimigos, adversário da crueldade, cioso da honra feminina, defensor dos fracos e homem de Deus...”. Cf. a respeito Victor DEODATO DA SILVA. O declínio da cavalaria e as transformações da nobreza no fim da Idade Média na Europa Ocidental. São Paulo, 1978 (Tese), especialmente o Cap.III “O Cavaleiro e sua Criação” pp. 142, 145, 198, 208 - 209.

(10) Armando de CASTRO. Op.cit., vol. II, p. 24.

(11) Cf. GAMA BARROS - Op. cit., p. 390.

(12) Cf. Joham HUIZINGA. O declínio da Idade Média. São Paulo, Verbo/EDUSP, 1978, pp. 22-30, onde trata do “teor violento da vida”, O fato de Huizinga ter praticamente restringido sua obra região franco-flamenga escudando-se em textos de Chastellain, Jean de Mezieres, Pierre de Fenin, Pierre Champion, A. Teutey, Jacques de Clercq, Phillippe de Vigneulles e Mathieu d’Escouchy, não quer dizer, necessariamente, que a validade de suas observações sejam circunscritas à mesma região. Acreditamos que se Huizinga tivesse conhecido Fernão Lopes pouco ou nada haveria de ser mudado no capítu1o de sua obra em que trata sobre o “teor violento da vida”, ao contrario, só poderia haver enriquecimento com o aproveitamento de exemplos peninsulares.

(13) Cf. GAMA BARROS. Op.cit., p. 389.

(14) Cf. Entre outros autores que expressam essa idéia de costumes violentos: GAMA BARROS. Op.cit., pp. 389-400 e 413-423; Armando de CASTRO. Op.cit.,p.24. J.P.OLIVEIRA MARTINS. A vida de Nun’Alvares: História do estabelecimento da dynastia de Aviz. Lisboa, Parceria Antonio Maria Pereira Livro. Ed., 1923, p. 13; Joaquim VERÍSSIMO SERRÃO. Op.cit. ,p.11; Fortunato de ALMEIDA. História de Portugal. Coimbra, Ed. Fortunato de Almeida, 1922, pp. l82-190; Conde de VILA FRANCA. D. João I e a Aliança Inglesa. Lisboa, Investigações Histórico-Sociais, 1950, pp. 67-70; Salvador DIAS ARNAUT. A Batalha de Trancoso. Coimbra, Universidade de Coimbra, 1947, p. 99; J.LÚCIO de AZEVEDO. Op.cit., p. 45.

(15) Cf. especialmente Fernão LOPES. Crônica do Senhor Rei Dom Pedro: Oitavo Rei destes Reinos. Porto, Livro. Civilização Ed., s.d. Prólogo, pp. 3-9.

(16) Cf. Johan HUIZINCA. Op.cit. , n. 25.

(17) Sobre os móveis da guerra cf. Fernão LOPES. Op.cit. cap. XVII, pp.77-85. Quanto às violências cometidas por D. Pedro I veja-se adiante, pp. 110-115.

(18) Na sua Crônica de D. Pedro, Fernão Lopes descreve como aquele rei declarou ter recebido Inês de Castro por esposa, cap. XXVII; do testemunho que alguns deram sobre o casamento, cap.XXVIII; das duvidas de outros, cap.XXIX como o corpo de Inês foi transladado para o mosteiro de Alcobaça, cap.XLIV. Mas se dermos crédito à afirmação do cronista, e não há razão para deixarmos de crer, a verdadeira guerra civil travada entre D. Pedro I e D. Afonso IV, foi descrita em outra crônica, talvez perdida para sempre. Cf. o Cap. XVII, p. 125 da Crônica de D. Pedro onde se lê “já tendes ouvido compridamente e falamos da morte de Dona Enes, a razão porque a el-rei Dom Affonso matou, e o grande desvairo que antrelle e este rei Dom Pedro sendo estomce Iffamte ouve por este aazo”.

(19) Nas pp.110-117 deste trabalho analisamos mais detidamente essa cruel vingança, que é narrada por Fernão LOPES no capítulo XXXI, pp. 145-149 de sua Crônica de D. Pedro.

(20) Cf. Fernão LOPES. Crônica de D. Fernando. Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1975, caps. LX e LXI, pp. 209-214.

(21) Cf. Fernão LOPES. Crônica dei Rei Dom Joham I de boa memória e dos Reis de Portugal o décimo. Parte I. Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1977, Cap. XXII, pp. 23 e 26.

(22) Cf. Fernão LOPES. Crônica del Rei Dom Joham... Op.cit. Parte I, cap. XLIV, pp. 77-78.

(23) Cf. Fernão LOPES. Crônica del Rei Dom Joham... Op. cit., Parte I, Cap. XLV, pp. 79-80.

(24) Cf. Fernão LOPES. Crõnica de D. Fernando... Op.cit., Cap. XLI, pp. 133-135.

(25) Cf. Fernão LOPES. Crônica del Rei Dom Joham... Op.cit.
Cap. LXXIX, pp. 273-274.

(26) Eduardo D’OLIVEIRA FRANÇA. Op. cit. , p. 115.